A cada lista de melhores discos nacionais do ano, uma certeza fica nítida: vivemos um período sensacional para a música brasileira que realmente importa. Para cada artista pré-fabricado pela mídia e pelas forças alienantes, surgem pencas de pessoas com propostas e trabalhos interessantíssimos, vivendo num ambiente tóxico para a cultura e, mesmo assim, colocando para jogo discos e músicas incríveis. A música brasileira que importa está há tempos entrincheirada na Internet e só lá é possível percebê-la. Até para pessoas que lidam com o assunto – nosso caso – é difícil dar conta do volume impressionante que esta gente abnegada e sensacional produz.
Temos abaixo então os nossos melhores discos de 2021, com algumas menções honrosas e a constante indicação para que você ouça, conheça, passe adiante o que estas pessoas fazem. E que se irrite quando vir aquele sujeito velho de espírito dizendo que “não se faz mais música boa no Brasil” ou que “nos anos 1980 é que era bom”. Ouça e se encante, você não tem escolha,
1 – Rodrigo Amarante – Drama
“Drama” é belo, verdadeiro. A capa é uma referência clara aos discos de jazz do fim dos anos 1960/70, do selo A&M, como “Wave” ou “Tide”, de Tom Jobim. O invólucro branco, a imagem abstrata, a cor contrastando, tá tudo em casa. Ouça como se estivesse vendo um filme, a ideia é essa, desde a primeira faixa, que leva o nome do álbum, uma vinheta que te leva para dentro do elemento central. E vá na fé.
2 – César Lacerda – Nações, Homens ou Leões
“Nações, Homens ou Leões” é fruto direto do nosso tempo. Em momentos assim, temos opressão, perda de esperança e tristeza, mas, nem se que seja apenas pela terceira lei de Newton, temos que ter uma reação à altura. E este álbum é isso, um imenso contragolpe na noção de que tudo deu errado. Ouça e se reagrupe porque temos muito a fazer.
3 – Baggios – Tupã-Rá
“Tupã-Rá” é obra marcante para a banda e marca sua evolução a olhos e ouvidos de todos. Passou da hora de mais gente conhecer e adorar os Baggios, um grupo de moleques de São Cristóvão, Sergipe, que fazem o melhor rock do país. Parabéns.
4 – Jennifer Souza – Pacífica Pedra Branca
Jennifer oferece com gentileza. As canções são todas belas, lentas, majestosas em uma discrição impressionante, quase à meia voz. São vozes baixas, doces, quase segredadas aos nossos ouvidos, como lembranças. É quase inevitável deixar os parâmetros do tempo/espaço de 2021 ao som do álbum. E não é só a aura ou o clima despertados pelos arranjos ou pelos vocais, todas as nove faixas são belas composições, com linhas melódicas muito claras e bem pensadas, com espaço para pequenas explosões instrumentais e contrastes sem voz para a doçura que Jennifer espalha por todos os cantos do álbum. Mas não engane: é uma sutileza, uma inteligência musical constante o que a cantora e compositora mineira esbanja por aqui.
5 – Juliana Linhares – Nordeste Ficção
“Nordeste Ficção” é praticamente perfeito. Se ele contivesse o single “Perfume de Araçá”, que Juliana soltou pouco tempo antes do disco sair, ele atingiria um nível ainda maior de excelência. É um trabalho plural, para poucos e raros. Juliana é uma das maiores cantoras brasileiras em atividade e isso não se discute.
6 – Caetano Veloso – Meu Coco
“Meu Coco” abre os braços para quem ainda acredita que o país é mais do que os noticiários nos mostram. Que há espaço para sermos modernos por aqui sem que precisemos ser chineses ou americanos. É um disco-manifesto que se ergue no meio do vozerio empobrecido da música brasileira mainstream. Precisávamos disso há tempos.
7 – Marina Sena – De Primeira
Anote aí: estamos vendo uma nova estrela da música brasileira surgindo. Ela é alegre, decidida, corajosa e cheia de vida. Em tempos como os nossos, é quase uma bênção. Ouça, conheça, passe adiante a obra de Marina Sena.
8 – Amaro Freitas – Sankofa
“Sankofa” é isso: um disco complexo, belíssimo, praticamente perfeito em execução e proposta. É algo de que nós, brasileiros, descendentes de negros, que vivemos esta história da mesma forma, precisamos conhecer e exercitar. Parabéns a Amaro e todos os envolvidos.
9 – Domenico Lancelotti – Raio
A música de Domenico Lancelotti extrapolou rótulos e gêneros e paira num universo em que há ecos de anos 1970, de lembranças da infância e sonhos de um futuro que nunca se realizou. Pelo menos é o que este novíssimo álbum me diz. “Raio” é lindo e raro.
10 – Juçara Marçal – Delta Estácio Blues
“Estácio Delta Blues” é mais um disco que consagra a cena de compositores, cantores, produtores e artistas paulistas, capazes de sintetizar o melhor da tradição e amarrá-lo no rabo de foguete da tecnologia. O resultado se traduz em visões reais e irreais/ideais de um Brasil que talvez exista. Ou que exista demais. Belo.
11 – Edgar – Ultraleve
“Ultraleve” é tudo, menos leve. É uma bigorna de realidade, sem dó, sem pena, um arremesso necessário nas fuças de quem insiste em relativizar a gravidade do nosso momento, como pessoas, como sociedade, como país. Desconcertante.
12 – Pedro Sá – Um
A estreia solo do guitarrista de Caetano Veloso e ex-Mulheres Q Dizem Sim e outros vários projetos interessantes, demorou demais. O que veio foi um álbum complexo e cheio de nuances, mostrando como Pedro Sá é um baita músico.
13 – Mallu Magalhães – Esperança
“Esperança” é um belo disco, mais uma prova contundente da relevância que a obra de Mallu Magalhães adquiriu ao longo do tempo. Ela tem talento, identidade, bom gosto e boas canções. Está mais do que pronta para receber os louros que merece.
14 – eliminadorzinho – Rock Jr.
15 – Giovanni Cidreira – Nebulosa Baby
16 – Charme Chulo – O Negócio é o Seguinte
17 – Tagore – Maya
18 – Sophia Chablau e uma Enorme Perda de Tempo
19 – Píncaro – Um Delírio
20 – Jonathan Ferr – Cura
21 – Céu – Chega Mais
22 – Roberta Campos – O Amor Liberta
23 – Eugênio – dentro da caixa, fora do mundo
24 – João Donato e Jards Macalé – Síntese do Lance
25 – Sylvia Machete – Rhonda Revisite
26 – Cris Braun – Quase Erótica
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.