The Baggios em outra prateleira com “Tupã-Rá”

 

 

The Baggios – Tupã-Rá

Gênero: Rock alternativo

Duração: 37 min.
Faixas: 12
Produção: Julio Andrade
Gravadora: Toca Discos

5 out of 5 stars (5 / 5)

 

 

A História é uma ciência que não admite suposições. Entretanto, ouvir este disco dos Baggios me fez pensar: que disco Chico Science faria hoje, pleno 2021? A resposta veio fácil: algo como “Tupã-Rá”. Os sergipanos conseguiram chegar a uma alquimia sonora muito poderosa, misturada no ponto certo, dosando influências, estéticas e sonoridades, tudo a favor de um álbum que é eloquente, cheio de detalhes e, mesmo assim, tem um potencial pop rock/dançante que é praticamente irrestistível. Dá pra ouvir, dançar e prestar atenção nas doze faixas que compõem este mosaico sonoro que é o quinto disco de material inédito do grupo e tudo acontece com tanta fluência e simplicidade aparentes que o ouvinte pode até pensar que tudo, de fato, foi feito com facilidade e sorte. Errado. A trama que dá forma ao álbum é fruto de um trabalho meticuloso em estúdio, mexendo com timbres e texturas em arranjos que são complexos e sensacionais. Ainda assim, repito, tudo soa fácil e descomplicado para o ouvinte médio.

 

Alguém que ouça o segundo álbum dos Baggios, “Sina”, de 2013, não poderia imaginar que a sonoridade seria tão lapidada a ponto de surgir um trabalho como “Tupã-Rá”. E olha que “Sina” já era bem bacana, cheio de poeira e um clima que apontava para algo como um Black Keys do semi-árido. Havia influências nítidas de Jimi Hendrix e Raul Seixas, algo de blues, uma pitada de ritmos sergipanos e uma promessa, hoje totalmente concretizada. A palheta sonora do grupo evoluiu para este mosaico de influências, que, ainda hoje conservam esse apreço por Hendrix, blues e Raulzito, mas incorporam muito mais personalidade e ousadia, indo de fraeados de metais devedores de samba-rock e funk setentista brasileiro à la Jorge Ben, chegando a fraseados de teclado que você poderia jurar pertencerem a bandas como The Doors ou Steppenwolf. E amarrando este maço de elementos, a produção e o bom senso de Julico Andrade, o cara que canta, pensa e lidera o Baggios.

 

Julico teve uma experiência como artista solo no ano passado, lançado o ótimo “Ikê-Maré”, um trabalho que trazia estas influências mais próximas ao funk e ao samba rock, agora graciosamente inseridas no panorama guitarreiro que caracterizava o Baggios até o álbum passado, “Vulcão”, de 2018. Certamente esta ampliação de sons leva a banda para outro patamar e dá pra dizer que o grupo sergipano hoje seria um nome fácil de consenso para se dar à melhor banda de rock em atividade no país. Não dá mais pra pensar como um artista setorizado ou mesmo independente, o Baggios muda de fase com “Tupã-Rá” e este movimento não parece ter volta. Agora é pensar em palcos maiores e reconhecimento ao redor do mundo – aliás, a banda já tem, pois foi indicada duas vezes ao Grammy Latino de Melhor Banda de Rock, com “Vulcão” e com “Brutown”, disco que lançou em 2016.

 

“Tupã-Rá” não tem faixa ruim, não há desperdício de tempo por aqui. Tudo está no lugar, mas há uma canção aqui que ultrapassa os limites: “Senhor dos Passos”, que tem uma levada aerodinâmica, propulsionada por guitarras muito bem pensadas e um teclado ensandecido, que percorre toda a canção como se nela praticasse surf. Mas, como dissemos, tudo aqui funciona. Das participações de Chico César e Cátia de França na ótima “Barra Pesada”, passando pela percussão de “Avia Menino!”, pela literal e encrespada “Baggios Encontra Siba” e pela suingada “Fura Taio”. E o fecho com “Sun Rá” faz jus às origens e influências espirituais que a banda tem, porque mistério sempre há de pintar por aí.

 

“Tupã-Rá” é obra marcante para a banda e marca sua evolução a olhos e ouvidos de todos. Passou da hora de mais gente conhecer e adorar os Baggios, um grupo de moleques de São Cristóvão, Sergipe, que fazem o melhor rock do país. Parabéns.

 

Ouça primeiro: “Cura Taio”, “Avia Menino”, “Senhor dos Passos”, “Baggios Encontra Siba”, “Sun Rá”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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