fanclubwallet: A primeira fofura musical de 2022

 

 

Toronto, Ontário, Canadá. Jovens trancados no quarto por conta da pandemia e da nerdice desajustada e perplexidade diante do mundo que derrete diante dos olhos. O cenário não é novo, mas sempre revela gente interessante, como, por exemplo, Hannah Judge. No caso dela, a questão ainda se agrava mais por conta de um outro problema de saúde, a Doença de Crohn, que a deixou por dez meses na posição horizontal na maior parte dos dias. A solução veio com a coragem de gravar algumas melodias num velho teclado Casio que estava à mão. A primeira foi uma cover de Talking Heads, mais precisamente de “There’s Must Be The Place”. Daí em diante, melhor dizendo, de 2020 para cá, Hannah tornou-se uma pequena celebridade na cena alternativa de sua cidade e já está começando a ser ouvida bem fora da região.

 

Uma olhadela na página de funclubwallet no Spotify irá revelar apenas nove canções, sendo duas covers. O que chama a atenção é a doçura das faixas e como o tom noventista, no sentido Alanis/Pixies do termo, é utilizado como matéria prima para a composição de Hannah. Ela cria estruturas no teclado que vão se partindo em linhas paralelas de baixo, metais e sons que têm também débito com o powerpop e o mainstream de tempos idos. Não há qualquer sinal de um ser supremo fazendo essas melodias, o negócio aqui é identificação e gente como a gente. Cinco destas faixas estão agrupadas num EP, chamado “Hurt Is Boring”, que marca a estreia de Hannah e foi chamado pela crítica gringa como uma “prova dos benefícios do isolamento” e da solidão forçada.

 

Estamos falando de um disquinho profundamente sentimental, mas não necessariamente triste. É um exemplar do que se chama hoje em dia de “bedroom pop”, ou seja, o “pop de quarto”, dada a facilidade da tecnologia para produzir música em casa com a ajuda de um computador. As canções mostram Hannah lidando com experiências que muitos de nós provavelmente estamos familiarizados com estes dias, incluindo isolamento, tédio e a lembrança de eventos menores que assumem proporções enormes em nossas memórias. A ajuda de Michael Watson nas guitarras e produção faz de “Hurt Is Boring” um pequeno mix de indie folk e pop adorável.

 

O contraste entre a doçura das canções e o pano de fundo de doença e reclusão em que foram compostas dá ao EP um tom único. As letras falam de chaves perdidas, pessoas perdidas, saudade, tristeza e reflexão sobre e pequeneza do mundo e de nós mesmos, por tabela. É um contraste que se infiltra em grande parte do álbum — até mesmo o sinistro single “Car Crash in G Major” apresenta uma linha de sintetizador saltitante que acompanha letras sobre destroços ardentes. No entanto, tudo é mantido junto pelo charme fácil de Judge (“C’mon Be Cool” é outro destaque), atraindo você para uma espécie de sala de estar que o disco cria sem que percebamos. As coisas se abrem após esses dois singles com “Flew Away”, com direito a um piano amansador.

 

Ao todo o EP tem 13 minutos de duração para cinco faixas, mas você pode e deve conferir as outras canções que estão na página da artista. Se tudo der certo, vai achar fofa a cover para “Your Love”, sucessão do Outfield, e se encantar com belezuras adolescentes como “Interstate” ou o novíssimo single, “That I Won’t Do”. Se tudo der certo, falaremos mais de funclubwallet por aqui, mas ela já leva o título de “primeira fofura musical de 2022” e isso não é pouco.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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