O tempo segundo Sophia Chablau

 

Sophia Chablau e Uma Tremenda Perda de Tempo – Sophia Chablau e Uma Tremenda Perda de Tempo

Gênero: Rock alternativo

Faixas: 9
Duração: 22:47
Produção: Ana Frango Elétrico
Gravadora: Risco

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

Comecei a ouvir a estreia de Sophia Chablau e Uma Tremenda Perda de Tempo e logo já estava com um sorriso estampado no rosto. É simples entender o porquê: a banda paulista é uma mistureba de visões da psicodelia, a saber: a sessentista, com origem nas pirações presentes nos dois primeiros álbuns dos Mutantes; e a atual, que tem muito de reciclagem desta abordagem, feita por gente como O Terno e Ana Frango Elétrico que, não por acaso, produz o álbum. Mas não é apenas de psicodelia que estamos tratando aqui. Tem algo de Bossa Nova e Sonic Youth em algum ponto da mistura, sem falar em traços de Jovem Guarda, modificada pelas mãos de tropicalistas e, de forma pessoal e intransferível, a visão da própria Sophia, vocalista, guitarrista e compositora, que empresta a figura focal para que todas estas referências e reminiscências façam sentido. O resultado é ótimo.

 

Ainda que tenha todo este pedigree, a música do grupo não é derivativa, pelo contrário. A maneira como as referências são dispostas ao longo das faixas – total de oito e uma vinheta de meio minuto – faz com que tudo soe fresco e muito afetuoso. Tem amor, tem desilusão, vulnerabilidade mas nunca, jamais, em tempo algum qualquer traço de bundamolismo. Sophia é um bicho sentimental e interessante, que mistura força e obstinação com aquela aparência frágil de menina de óculos atrás de uma guitarra. E ela já toca o instrumento há tempo suficiente para emprestar às canções um estilo bem elétrico e variado, que alterna timbres de instrospecção com alguns comichões guitarrísticos extremamente bem-vindos. As letras, bem, elas são pequenos fragmentos aditivados da percepção da vida quando se é jovem neste século 21, algo que é bem complexo e muda toda hora, deixando as pessoas sem noção. E isso está presente aqui, de alguma forma.

 

É um álbum curtinho, menos de 22 minutos. Pelo menos metade das faixas presentes aqui são ótimas e muito bem resolvidas. “Fora Do Meu Quarto” é impressionante pelo clima de amor não correspondido e derramado. Tem um andamento de balada, mas passa bem longe disso, soando como uma explosão prestes a acontecer, como se a fragilidade fosse apenas uma cortina de fumaça. E o que dizer de versos como “perto, longe, perto, longe, dentro, eu quero você dentro de mim”, que mostram uma alma feminina em plenitude, senhora de si e dos desejos? Tudo funciona no arranjo, especialmente quando a música dá uma arrancada rumo ao final, ameaçando irromper num turbilhão sônico que … não vem. “Debaixo do Pano” é o oposto: sacana, cheia de vida, cheia de balanço, guitarras, dancinhas e travessuras ocultas dos olhos da maioria. Tem os dez dedos de Ana Frango Elétrico por aqui, inclusive até na letra. Outro acerto no alvo.

 

“Moças e Aeromoças” é outra maravilha. Aqui a coisa já fica mais no terreno da metáfora, pegando emprestados alguns fraseados de teclados e um andamento que oscila entre climinha jazzy e roquinho alternativo de Chicago dos anos 1990. E o fecho do álbum, a indizível “Delícia/Luxúria”, tradução de binômio de amor e sexo, se tudo der certo na investida que é feita. Tem gatilho pra dança, pra dedicar pro/a crush em algum ponto da vida e aquela felicidade incontida que se sente quando trocamos o dia pela noite pelo melhor motivo possível.

 

Este primeiro disco de Sophia Chablau e sua Enorme Perda de Tempo é, desde já, um dos melhores momentos do rock nacional em 2021 e tem potencial para emplacar sem dó nas mentes mais esclarecidas, que comandam os melhores ouvidos por aí. Maravilha.

 

Ouça primeiro: “Delícia/Luxúria”, “Moças e Aeromoças”, “Debaixo do Pano”, “Fora do Meu Quarto”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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