César Lacerda nos dá forças contra o fim do mundo

 

 

César Lacerda – Nações, Homens ou Leões

Gênero: MPB, alternativo

Duração: 36:26 min.
Faixas: 11
Produção: César Lacerda e Fabio Pinczowski
Gravadora: YB, Circus

5 out of 5 stars (5 / 5)

 

 

 

Espantoso. Não há outro termo para definir este quinto disco do cantor e compositor mineiro César Lacerda. É até complicado escrever sobre ele uma vez que é um trabalho que aspira, meio que por acaso, a grandiosidade das obras que ultrapassam fronteiras de atuação. É música, mas é texto. É pensamento, mas também dá pra cantar junto. Tem uma riqueza melódica impressionante e, ainda assim é cheio de conceitos e ideias tão sóbrias e certas sobre o tempo presente que mais parece um artigo acadêmico, só que livre da verborragia e do hermetismo que caracteriza este tipo de produção. “Nações, Homens ou Leões” é uma reflexão musical sobre o que vivemos hoje e que está nos levando, tristemente, ao fim do mundo. Aliás, quando é o fim do mundo? Quando deixamos de sonhar com um futuro melhor ou quando vemos as pessoas consumindo desenfreadamente sem nem saber o motivo pelo qual fazem isso. Acredite, neste disco, César fala sobre tudo o que nos envolve tão fortemente que nem nos damos conta e faz isso cantando belamente. É uma experiência muito intensa.

 

Não é espantoso, no entanto, saber que Lacerda é uma pessoa com talento suficiente para isso. Ele é cantado por gente como Lenine, Maria Bethânia, Gal Costa, Zezé Motta, entre outros, além de ter uma carreira marcada por belos álbuns, em especial “Tudo, tudo, tudo, tudo”, de 2017 e a parceria com Rômulo Froes, “O Meu Nome É Qualquer Um”, de 2016. Ele mistura uma visão muito peculiar de música brasileira, referenciada em Caetano Veloso e em sua própria origem mineira mas livre para captar e acrescentar influências que vão do folk à eletrônica, algo que ele incorporou especialmente neste novo álbum, gravado e concebido majoritariamente num celular. A perfeição da produção – de César e de Fabio Pinczowski – não torna perceptível este detalhe, nada soa improvisado ou casual por aqui. E a sonoridade foi encorpada posteriormente com instrumentos “humanos”, como bateria, baixo e guitarras.

 

São onze faixas lindas e divididas em três atos. O primeiro, “Nações”, acomoda as quatro primeiras canções, refletindo sobre como o balizamento da nossa origem pelos moldes da terra em que nascemos sofreu mudanças com o passar dos tempos e, especialmente, neste mundo neoliberal em que o consumo dita as regras e estabelece os êxitos. Neste segmento está uma canção tão bela que quase faz a gente chorar, “Parque das Nações”, cantada em dueto com a angolana Aline Frazão, na qual César fala sobre a perda dessas características “nacionais” em meio a realidades e circunstâncias que nos são alheias, para o bem e para o mal, o que nos leva imediatamente ao segundo ato, “Homens”. Aqui Lacerda fala sobre a ação do homem no planeta pela pauta do capitalismo. Não precisa ser muito atento para perceber que tal presença trouxe desequilíbrios imensos e povoou de desesperança o nosso futuro como espécie.

 

Este ato tem em “Antropoceno” o seu tema-chave, que dá, exatamente, o nome ao período geohistórico no qual estamos vivendo, pauta pela ação do homem no espaço. E dá o ensejo para a parte final do álbum, “Leões”, na qual César apresenta meios de superar o fim do mundo, que pode ser o coletivo como o pessoal e cotidiano, ambos relacionados de forma irreversível. Ainda que a distopia esteja presente em cada esquina, em cada vídeo do tiktok, há espaço para uma outra canção linda e assombrosa, como “Amanhã”, na qual César tem a partição do músico americano Ben LaMar Gay, que canta uma parte da letra. O grande destaque aqui fica por conta do entrelace de sintetizadores e outros timbres. Aliás, o álbum é cheio de participações, indo de gente como Xenia França, Filipe Catto e Marcelo Jeneci a Malvina Lacerda, irmã do cantor e compositor.

 

“Nações, Homens ou Leões” é fruto direto do nosso tempo. Em momentos assim, temos opressão, perda de esperança e tristeza, mas, nem se que seja apenas pela terceira lei de Newton, temos que ter uma reação à altura. E este álbum é isso, um imenso contragolpe na noção de que tudo deu errado. Ouça e se reagrupe porque temos muito a fazer.

Ouça primeiro: “Amanhã”, “Parque das Nações”, “Antropoceno”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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