A sutil maturidade de Mallu Magalhães

 

 

Mallu Magalhães – Esperança

Gênero: Pop, MPB

Duração: 37 min.
Faixas: 12
Produção: Mario Caldato Jr e Mallu Magalhães
Gravadora: Quero Quero

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

“Esperança” é apenas o quinto disco de Mallu Magalhães, sem contar o álbum homônimo da Banda Do Mar, de 2014. É meio paradoxal a sensação de que a moça é uma veterana da música brasileira, uma vez que ela só tem 28 anos. Mas o que chama a atenção para além da questão cronológica é que o trabalho de Mallu, desde o lançamento do primeiro disco, lá em 2008, vem em constante e elegante evolução. Se pensarmos em seu primeiro hit – “Tchubaruba” – e mergulharmos em seguida nas 12 faixas de “Esperança”, a sensação é de que estamos diante de uma outra artista. Mallu amadureceu, seu trabalho ganhou densidade, profundidade e uma inequívoca estética. É possível, sem medo algum, dizer que esta ou aquela canção “são típicas de Mallu Magalhães”. Ela já tem sua identidade sonora, construída com calma e muita coerência ao longo destes 13 anos de carreira. E, se o trabalho de Mallu amadureceu, ela também: tornou-se mãe, escreveu e ilustrou livro infantil, compôs, produziu, participou de projetos de outros artistas e viu uma canção sua ser interpretada por ninguém menos que Gal Costa, no caso, “Quando Você Olha Pra Ela”, registrada em “Estratosférica”, de 2015.

 

Sendo assim, “Esperança” não é um disco de uma cantora qualquer. Mallu produz o álbum junto com Mario Caldato Jr, que pilotou seu primeiríssimo disco, e se sai muito bem. Ela também toca guitarra, piano, compôe e arranja boa parte das canções, com uma espontaneidade notável. É impressionante como a maioria das canções soa bem. Tudo muito bem pensado em termos de arranjos, dentro do que Mallu se propôs a fazer, que é uma música que tem influências de aspectos da Tropicália e da Bossa Nova, mas nunca soa como pastiche sem criatividade. Ela pega essas informações e processa numa sonoridade que é sua, imprimindo suas marcas pessoais – especialmente as inflexões no canto – e se sai quase sempre com um resultado bacana. E, sim, é notável como Mallu tornou-se uma boa compositora, especialmente a partir do terceiro disco, “Pitanga”, no qual registrou ótimas canções, como “Ô, Ana” e “Sambinha Bom”.

 

Aliás, a afinidade da moça com esses elementos de música brasileira são o grande barato de “Esperança”, justo porque ela se manifesta de jeito absolutamente natural. Logo de cara, com “América Latina”, com um looping de piano e percussão que vai ganhando vários efeitos, Mallu vai falando de origens e trajetórias para ela, justo uma brasileira moradora de Portugal. E avança por “Deixa Menina”, que evoca uma influência que Mallu cultivou ao longo dos últimos tempos: Jorge Ben. Há muito dos primeiros trabalhos de Jorge na levada fluida e bem construída da canção, que é um sambinha cheio de estilo. Já em “Pé de Elefante”, a brasilidade mais perceptível sai de cena e entra em campo uma visão mais convencional de canção pop, ainda assim bastante próxima do que poderíamos esperar de cantoras como Marisa Monte ou mesmo Gal Costa em seus trabalhos mais recentes. Logo após, um dos grandes acertos do álbum: “Barcelona”, uma canção solar e muito próxima das canções pós-Bossa dos anos 1960 e 1970, mas ainda impregnadas com o espírito daquela Praia de Ipanema imaginária. Nem a voz de Nelson Motta declamando versos ao longo da canção consegue estragá-la.

 

Falando em Espanha, “Regreso” é uma outra canção que alude ao país, dessa vez por conta do idioma. O clima também é de pós-Bossa elegante e luxuosa, com universalidade e beleza. “Esperança” vai quase sem erros até sua metade, perdendo um pouco da força justo quando assume uma postura menos vinculada a essas influências brasileiras. Ainda que canções como “Cena de Cinema” e “As Coisas” sejam bacaninhas, “I’m OK”, que flerta com um rockinho sem sal, é totalmente esquecível. Mas nem quando entra em terreno mais plural, Mallu perde completamente o encanto, vide “Fases da Lua”, uma das mais belas canções do álbum, que flerta com uma variação light do trip-hop estilizado, lembrando levemente Bebel Gilberto.

 

“Esperança” é um belo disco, mais uma prova contundente da relevância que a obra de Mallu Magalhães adquiriu ao longo do tempo. Ela tem talento, identidade, bom gosto e boas canções. Está mais do que pronta para receber os louros que merece.

 

Ouça primeiro: “Fases da Lua”, “Barcelona”, “América Latina”, “Regreso”, “Deixa Menina”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

2 thoughts on “A sutil maturidade de Mallu Magalhães

  • 21 de junho de 2021 em 07:40
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    Opa, Marcos, eu não sei se o disco terá edição física.

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