Tradição e modernidade no ótimo álbum de Tagore

 

 

Tagore – Maya

Gênero: Rock alternativo

Duração: 37:39 min.
Faixas: 10
Produção: Pupillo
Gravadora: Estelita

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

“Maya” é o quarto disco de Tagore Suassuna, cantor, guitarrista e compositor que vem direito de Pernambuco, com uma intenção não-declarada de continuar o fluxo de modernidade para dentro da música dita “nordestina”. Sei que este conceito é amplo e muitas vezes desinformado, mas o que ele consegue neste trabalho, guardadas as proporções, é equivalente ao que Alceu Valença fez nos anos 1970, quando deu as caras fora dos limites geográficos da região. Digo isso porque, ao lado de “Nordeste Ficção”, de Juliana Linhares, “Maya” é mais um grande trabalho neste estilo a surgir neste terreno em 2021. Enquanto o disco da vocalista do Pietá é mais voltado para uma versão mais fiel e tradicional da música, Tagore enfia rock e psicodelia em todos os cantos de “Maya”, com a ajuda de Pupillo, que produz o álbum e toca bateria e de João Cavalcanti, que pontua as faixas com vários timbres de sintetizadores. Sendo assim, da mesma forma que Alceu fez nos anos 1970, misturando rock da época com baião e outros estilos, Tagore faz uma versão bem fidedigna com o que existe hoje. E se sai muito, muito bem.

 

Tendo a ideia de saudade como um conceito brando, mas presente em “Maya”, ele abre caminho com abordagens mais tradicionais, porém sempre orbitando um paradigma rock. E podemos entender isso como flertes e viagens com guitarras mais ou menos trovejantes, timbres mais ou menos doces e uma cara de modernidade total. Sua voz é boa, as canções são todas belas e bem arranjadas, tudo por aqui contribui para uma audição limpa, harmoniosa e que abraça o ouvinte. Além disso tudo, há a participação do Boogarins em “Drama”, contribuindo para o endosso dessa cara lisérgica que permeia “Maya” na maior parte do tempo. É uma sensação de que já estivemos aqui antes, de alguma forma, também confirmando essa noção meio difusa de saudade que o disco comunica.

 

Quando falamos que o rock é um ponto de referência bem forte no álbum, queremos dizer que ele está presente de várias forma. Pode estar na faixa de abertura, que leva o nome do disco, cheia de guitarras mais clássicas e com direito a um belo solo, algo que a gente deixou de ver com a facilidade de alguns anos atrás, mas também pode estar na doçura irresistível de “Samba Coração”, adorável canção que tem muito de Jovem Guarda romântica, conduzida por um sintetizador malandramente focado na simplicidade em forma de coração. E a letra vem com achados como “queria ser mais leve pra de leve poder te abraçar//tristeza não foi feita pra morar dentro do coração”. Há uma nítida influência do padrão radiofônico popular do Brasil de algumas décadas, uma lindeza sem culpa, algo bonito mesmo. Mas o álbum vai bem além disso. “Olho Dela”, a segunda faixa, é outra que tem guitarras pronunciadas, ótima bateria, e um sabor setentista de fazer gosto.

 

“Tatu”, um dos singles, é mais psicodélica e moderna, com uma narrativa surreal sobre pessoas e eventos, com refrão que brinca com as palavras e trocadilhos possíveis. “Areia de Jeri”, faz alusão à praia cearense, começando com uma levada mais psicodélica e desaguando num arranjo clássico que é totalmente inspirado em Alceu Valença da virada das décadas de 1970/80. “Capricorniana” e “Colombina”, também se apossam desse referencial mais regional e o levam para dois tipos de futuro musical possível, seja via rock mais clássico, seja por um arranjo mais eletrônico. “Drama”, com o Boogarins é pura leveza de grama após o almoço, sob o sol da tarde, em forma de canção, enquanto “Molenguita” tem talhe de canção pop clássica, com ótimas guitarras e melodia muito bem arranjada, que lembra o início da carreira de Lenine. “Espaço Tempo”, como o nome já diz, novamente pega traços psicodélicos e os embute num arranjo semi-eletrônico, com ótimos teclados e efeitos no vocal.

 

“Maya” é moderno, belo e cheio de ótimas canções. É o melhor trabalho de um artista que traz a música brasileira alternativa para um patamar de excelência, com capacidade de sintetizar várias referências e torná-las suas. Belo trabalho.

 

Ouça primeiro: “Samba Coração”, “Areias de Jeri”, “Maya”, “Drama”, “Espaço Tempo”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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