O universo particular de Rodrigo Amarante

 

 

Rodrigo Amarante – Drama

Gênero: MPB, alternativo

Duração: 41:38h
Faixas: 11
Produção: Noah Georgeson
Gravadora: Polyvinyl

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

Quando Los Hermanos estavam lançando “Ventura”, seu terceiro e provavelmente melhor álbum, entrevistei Rodrigo Amarante e Marcelo Camelo por telefone. Solícitos e simpáticos, os dois responderam perguntas por quase uma hora e, naquele momento em que o jornalista pergunta sobre influências, os dois disseram que, ainda que tivessem amor por vários artistas do passado, tentavam imprimir às suas composições uma certa “sensação” específica. Era como se – um dos dois explicou – “a gente tentasse fazer uma música com cara de fim de semana em Saquerema quando a gente era criança” ou algo assim. Corta pra 2021. Estou diante das 11 faixas de “Drama”, segundo disco de Amarante, que chega como um pequeno universo particular do músico carioca, pautado e erguido a partir dessa noção. Claro que dá – e vamos fazer isso – explicitar o DNA de algumas faixas que estão no álbum, mas, via de regra, o que ele consegue e parece querer em “Drama” é continuar esta cartografia de inconsciente coletivo, esse rosário de sensações que se foram, mas que ficaram arquivadas em algum lugar do nosso cérebro.

 

“Drama” foi gravado aos poucos, desde o fim de 2018, e com um monte de pessoas orbitando o próprio Amarante, que o concluiu em casa, com amigos colaborando, idas e vindas e, claro, sob a pandemia. As canções resolvem esta equação liquida de se fazer um álbum musical nosso tempo, com uso total da Internet e sem a distância com empecilho. O resultado soa como se fosse feito por uma banda que conviveu um tempo específico para chegar ao objetivo final, a própria realização do álbum. Com a presença de um núcleo musical formado por “Lucky” Paul Taylor (bateria), Todd Dahlhoff (baixo) e Andres Renteria (congas), além do próprio Amarante nas guitarras e voz, o álbum tem participações de arranjos de cordas, metais, além das presenças de Moreno Veloso e Cornelia Muir em participações vocais aqui e ali. E o tom das faixas é a melancolia existencial que Rodrigo já demonstrou ter quando encarna sua persona musical. Seu desejo é o de revisitar esquinas e cantos geográficos e sonoros de sua vivência, trazendo-os de forma toda própria para o presente. É um mecanismo adorável e que ele já havia mostrado várias vezes nos Hermanos.

 

Nessa coisa de procurar influências, a gente dá de cara com os próprios Hermanos aqui e ali. Talvez eles esteja mais nitidamente presente em “Tanto”, uma das canções mais adoráveis de “Drama”, que tem metais e uma levada mais alegre, destoando do tom que o álbum sugere, geralmente mais tristonho. O arranjo desta canção é belíssimo, ela vai levando o ouvinte para um ápice que se confirma ao fim, coisa linda de se ouvir. Belíssima é “Tango”, uma verdadeira confluência de eventos acontecendo ao mesmo tempo, vocais de apoio, sobreposição de instrumentos, várias linhas em paralelo que se encontram nos fones de ouvido que amplificam os detalhes e revelam a lindeza oculta, pronta para ser desvendada pelo mais curioso. Bela também é “Maré”, que tem percussão e balanço inegáveis, outra brasilidade inesperada que surge no trajeto.

 

Mas “Drama” é um disco de detalhes. “Tara”, por exemplo, tem um arranjo de cordas que lembra “Luz do Sol”, de Caetano Veloso, e entra por um caminho que chega na fronteira da lounge music, algo que, dependendo da dosagem, pode ser sensacional. “Sky Beneath” tem atabaques e congas, letra em inglês e um ar de estar fora do lugar de origem, mas a belezura da execução e a entrada gradativa de mais e mais instrumentos vai distraindo a gente e levando a lembrar, por exemplo, de outro Caetano Veloso, o de “Os Outros Românticos”, de 1989, fase “Estrangeiro”. Tem a brejeirice de “Eu Com Você”, também com alguma remissão aos Hermanos, enquanto “Um Milhão” tem algo de canção nordestina dos anos 1970, entre Alceu Valença, Belchior ou algo assim, mas seu tom triste é de verdade total. Nela está o verso mais emblemático do que é “Drama”: “Fui na rua onde eu eu nasci, vi o prédio em pé, tudo era tão maior do que é”. Revisita, reinterpretação, noção do que se é, sendo o que se foi e isso, junto, como senha para ser o que virá.

 

“Drama” é belo, verdadeiro. A capa é uma referência clara aos discos de jazz do fim dos anos 1960/70, do selo A&M, como “Wave” ou “Tide”, de Tom Jobim. O invólucro branco, a imagem abstrata, a cor contrastando, tá tudo em casa. Ouça como se estivesse vendo um filme, a ideia é essa, desde a primeira faixa, que leva o nome do álbum, uma vinheta que te leva para dentro do elemento central. E vá na fé.

 

Ouça primeiro: “Maré”, “Tango”, “Tanto”, “Um Milhão”, “Beneath The Sky”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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