Os caipiras existenciais do Charme Chulo
Charme Chulo – O Negócio é o Seguinte
Gênero: Rock alternativo
Duração: 32:48 min
Faixas: 10
Produção: Rodrigo Lemos
Gravadora: Independente/Tratore
Desde o início dos anos 2000, o Charme Chulo, original de Curitiba, mas com alguma confusão migratória com Maringá, clama para si que faz “rock caipira”. É um termo complicado para um Brasil que consome doses insalubres de pop sertanejo, pois os termos tendem a ser confundidos. Não que Igor, Leandro (as mentes criativas), mais Hudson e Douglas se importem. Pra eles, tudo meio que faz parte dessa entidade caipira, fora do eixo, interiorana, longe do litoral, que compõe grande, enorme parte do Brasil. Só que os rapazes, por ironia do destino ou sorte, têm sua origem no rock e nele têm suas influências primordiais e definitivas. Sendo assim, a sonoridade que a banda começou a fazer e defendeu honrosamente em quase vinte anos, é um misto de The Smiths com viola caipira, The Strokes com sanfona, tudo em meio a uma bela mesa com barreado e cerveja. Agora, tanto tempo depois, a Charme Chulo permanece firme e forte, dando sinais inequívocos de vida com este ótimo “O Negócio É O Seguinte”, seu quarto álbum.
Não à toa, a banda se orgulha de ter conseguido lançar o novo trabalho via financiamento coletivo, confiando numa pequena, porém fiel e atuante base de fãs que, bem ou mal, compartilharam suas vidas com a banda nestes últimos tempos e não querem viver num mundo sem ela. Em tempos atuais, lançar um disco no Brasil, seja de que jeito for, é um mérito enorme para artistas independentes e, sobretudo, que se dispõem a fazer um trabalho calcado em letras irônicas, espertas e instrumental que mistura o rock alternativo oitentista e do início dos anos 00 com as caipirices mencionadas – sanfona e viola – mas com andamentos múltiplos, levadas sertanejas raiz e um lirismo de quem já viu muita coisa mesmo em pouco tempo. É o dilema do pessoal que está nos trinta e muitos/quarenta e poucos, que queria ter uma banda mas o capitalismo e os rumos do país impediram de realizar o sonho. Quando há a chance, é como se não houvesse amanhã. Por isso a garra com que a banda defende essas dez faixas é admirável.
Com a produção de Rodrigo Lemos, que já participou de bandas curitibanas como Poléxia e Banda Mais Bonita da Cidade, “O Negócio É O Seguinte” desce redondíssimo, sem um único momento de desperdício. Várias canções são grudentas e sensacionais, com refrãos bem feitos, arranjos bem pensados, misturebas surpreendentes e, sim, um clima de que estamos em alguma viagem pelo interior do Brasil, não necessariamente conservador e evangelicóide. Aqui há espaço para o humor, para a consciência, para a tomada de posição e a crítica social e humana, tudo muito bem feito nas letras do grupo. Por exemplo, é impossível ouvir “Tudo Química” uma vez só. A faixa tem potencial grudento imediato, tom pop na medida e um refrão maravilhoso. A letra é uma porrada na felicidade permanente das pessoas, aliando o estado de espírito à disponibilidade de drogas e mecanismos de alienação na normalidade do cotidiano. Ou seja, é como se “só fosse triste quem quisesse”. Descontando a ironia total, temos aí uma bela puxada de tapete nos sorrisos falsos que, sintomaticamente, são tão presentes no nosso dia a dia.
E não é só isso. Tem a viola maravilhosa de “Você Nunca Irá Dançar Comigo”, que conduz um arranjo em disparada e cheio de vocais típicos. A letra é sobre um “basta” que se dá numa relação que já não funciona. “Rabo de Foguete” é um dos singles, outra maravilha existencial sobre a dureza da vida pequena, com um toque de Los Hermanos em sua fase inicial e um acento (tecno) brega que surpreende. Tem uma não-balada dramática, “Quando Não Depende da Gente”, com arranjos de cordas e reflexões sobre o passado e a conduta entre as pessoas que a gente ama. “Balanço Qualquer” tem mais de The Smiths do que os próprios integrantes da banda imaginam, enquanto “Eu Não Sei Amar” é mais uma incursão totalmente caipira. E o fim, com a linda “Mais Além” da conterrânea Tuyo, numa interpretação bela e sincera.
“O Negócio É O Seguinte” é uma lindeza de disco, é felicidade urgente, realização triunfante e uma ótima opção para quem não imagina o tanto de banda boa que há no país. É um álbum que reafirma Charme Chulo como um dos mais longevos e dignos representantes do rock do sul do país. E do país inteiro, oras. Ouça e ame.
Ouça primeiro: “Tudo Química”, “Nem A Saudade”, “Quando Não Depende de Nós”, “Mais Além”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.