Os Nossos Dez Filmes Mais Queridos de 2023

 

 

Uma olhadela em nossos dez filmes selecionados para compor esta lista, mostra que eles vêm de vários “circuitos”. Mesmo assim, ela é eminentemente pop, no sentido de que compreende, em sua maioria, produções americanas, que circularam pelos cinemas e pelos serviços de streaming. Mesmo assim, na medida do possível, procuramos dar atenção para alguns longas que fogem desta categoria blockbuster, bem como evitamos os chamados “filmes de super-herói”, um filão que achamos estar totalmente esgotado há bastante tempo. Mesmo assim, um deles está na nossa seleção, talvez um dos mais excêntricos e estranhos – no bom sentido – filmes feitos no chamado “Universo Marvel”. Também há espaço para algumas produções que foram detonadas pela crítica especializada na época, mas que acreditamos que ficarão melhores com o passar do tempo.

 

Nos dois primeiros lugares, duas produções que se engalfinharam na nossa preferência nos últimos dois meses de 2023, uma coreana, outra brasileira, que se valeram de um paradoxo de intenções, o de mostrar situações de extrema delicadeza com grande força emocional, porém, jamais apelando para emoções desgovernadas. Estão mais para aqueles filmes que despertam sentimentos guardados há tempos, sempre presentes, acessados de forma inevitável. Mas, fazemos um mea culpa, trabalharemos para que nossas listas futuras de produções cinematográficas sejam mais encorpadas a partir de 2024.

 

Concordem, discordem, opinem!

 

 

10 – Assassino, de David Fincher – filme produzido pela Netflix, estrelado por Michael Fassbender, “Assassino” é bem feito, tem ótimo roteiro e propõe ao espectador participar da rotina de um matador de aluguel metódico, frio e objetivo, que precisa consertar um erro cometido na sua mais recente missão. Além de ótimas cenas da participação da atriz brasileira Sophie Charlotte, a direção de Fincher garante um ótimo thriller. Detalhe para a curiosa escolha do protagonista por uma trilha sonora baseada em canções dos Smiths para suas matanças.

 

09 – Guardiões da Galáxia vol.3, de James Gunn – a série “Guardiões da Galáxia” serviu para provar que os personagens da segunda divisão dos heróis da Marvel eram dignos de atenção e capazes de produzir histórias e tramas mais legais do que os medalhões manjadões. Este último longa da série é impressionante e aborda temas como discriminação, preconceito e consciência ecológica de um jeito absolutamente surpreendente e comovente. De quebra, a inclusão de um dos mais adoráveis personagens do cinema de 2023, o cão cosmonauta Cosmo.

 

08 – Indiana Jones e o Chamado do Destino, de James Mangold – muita gente detonou aquela que parece ser a última produção a ter Harrison Ford na pele do arqueólogo Indiana Jones. E foi a primeira a não ter Steven Spielberg na direção, o que, surpreendentemente, resultou em algo positivo para o filme. Mais esperto e interessante que “O Reino da Caveira de Cristal”, este “A Relíquia do Destino” traz uma trama nos mesmos moldes, mas tem dois trunfos no elenco: Mads Michelsen (que vive um vilão nazista) e Phoebe Waller-Bridge (no papel de uma afilhada do Dr.Jones), ambos rendendo abaixo do que podem, mas com graça e charme satisfatórios. De resto, a já conhecida sequência de pancadarias, perseguições e tudo mais que o espectador da série deseja ver, com o detalhe melancólico do envelhecimento dos personagens e da necessidade de Jones em se adaptar à passagem do tempo, em oposição ao artefato histórico da vez, uma engenhoca projetada por Arquimedes, que teria o poder de ir e vir ao longo dos tempos. É um típico pipocão bem feito e sem culpa.

 

07 – Resistência, de Gareth Edwards, este é um filme surpreendente e bem bacana para quem deseja uma história desvinculada de universos já construídos. Se passando num futuro relativamente próximo, “Resistência” mostra uma guerra aberta entre os Estados Unidos e a Inteligência Artificial, robôs e seres mecânicos construídos para auxiliar os seres humanos, que teriam sido responsáveis pela detonação de uma bomba atômica em Los Angeles. A ação se passa majoritariamente no Sudeste Asiático, onde o uso da IA é liberado e os tais seres mecânicos são acolhidos pela sociedade. Um ex-militar que operava infiltrado, recebe a missão de descobrir, encontrar e eliminar uma arma definitiva que estaria sendo desenvolvida pela IA e, ao se deparar com ela, tem uma crise de consciência ao entender seu papel no jogo militar. A história é batida, o argumento é requentado, mas a construção de mundo que o diretor-roteirista Gareth Edwards obteve aqui é sensacional, com muitas influências de obras como “Akira” e romances como “Neuromancer”, ele oferece uma trama muito bacana e não poupa o Ocidente de críticas. Se Edwards já havia feito um ótimo trabalho em “Rogue One”, aqui ele mostra que é um criativo e inventivo realizador.

 

06 – Missão Impossível 7 – Acerto de Contas – Parte 1, de Christopher McQuarrie – algo precisa ser dito sobre “Missão Impossível”: não há filme ruim produzido até agora. E, se não há, esta nova realização, dirigida por Christopher McQuarrie, é a mais impressionante de todas. Com Tom Cruise firme no papel do agente Ethan Hunt, a trama mostra corrupção, traição e mil reviravoltas na caça a uma Inteligência Artificial secreta, que adquiriu consciência e está causando estragos cada vez maiores no mundo da espionagem internacional, além de expor falhas na segurança das agências americanas e europeias. Hunt e sua equipe passam por todos os cenários possíveis na caça aos possíveis responsáveis pelo ocorrido, encontrando novos e velhos antagonistas no meio do caminho. Tudo bem que é mais um blockbuster com patriotada na base do “tiro, porrada e bomba”, mas é tudo tão bem feito e redondo que fica impossível passar indiferente, sem falar na pororoca de efeitos especiais de último tipo, turbinados por vários momentos “analógicos” como, por exemplo, a destruição de um trem que foi especialmente montado pela produção do longa. A parte II chega em 2024.

 

05 – Oppenheimer, de Christopher Nolan – O que “Oppenheimer” faz de melhor é expor o questionamento sobre como a Humanidade vai lidar – como lidou – com a possibilidade de se destruir. As implicações desta novíssima condição, a partir de 1945, alterou profundamente o estudo da História e a maneira pela qual passamos a compreender o próprio tempo. Se durante da Idade Média, não havia uma noção formal de futuro por conta da morte certa, de acordo com o apocalipse da bíblia, hoje em dia, no pós-bomba, o futuro se torna presente e passado de acordo a certeza da finitude do planeta e de nós mesmos, nos escapando totalmente das mãos. De alguma forma, Christopher Nolan captou isso e converteu em filme. Ou melhor, em arte. Um espetáculo. (leia a resenha completa aqui).

 

 

04 – Elis e Tom, de Roberto de Oliveira – “Elis & Tom” nasceu como um disco da intérprete gaúcha, fruto de uma oferta de sua gravadora, que comemorava os dez anos de Elis na companhia. O diretor da Philips-Polygram, André Midani, comunicou a Elis que ela poderia pedir qualquer coisa. “Um carro, uma viagem ao exterior, qualquer coisa” – diz Midani em depoimento do longa. Elis escolheu poder fazer um disco. “Mas isso você faz todo ano”, disse Midani a ela e no filme. “Sim, mas não esse disco”, revelou Elis, dizendo que queria trabalhar com Tom Jobim. Midani assentiu: “É, esse disco não acontece todo dia”. Àquela época, fim de 1973, Elis, com 29 anos, era a cantora mais popular do país e estava em franca expansão criativa, lançando um álbum por ano desde 1968. Nestes trabalhos era possível perceber uma artista capaz de cantar praticamente tudo, do jazz ao samba, passando pela black music e pela MPB. Até pela Bossa Nova. Elis gravou “Estrada do Sol”, de Tom Jobim e Dolores Duran, em 1971, “Águas de Março”, de Tom, em 1972 e até mesmo um medley especial, dedicado ao compositor, em seu álbum de 1968, “Elis Especial”, o que confirma sua admiração por Tom. (leia a resenha completa aqui)

 

03 – Assassinos da Lua das Flores, de Martin Scorsese – talvez não haja atividade, já há algum tempo, um cineasta tão fluente nas questões americanas formativas, como Martin Scorsese. Baseado no romance homônimo de David Grann, Scorsese mostra o drama da nação Osage, em cujo território foi descoberto petróleo e, a partir daí, o destino de todo um povo foi traçado pela ganância alheia e pelo descaso das autoridades americanas para com seus povos originários. Com uma trama que ultrapassa três horas e com desempenhos impressionantes de Leonardo di Caprio, Robert De Niro e da atriz Lily Gladstone, Scorsese traça um painel épico e impressionante dos primeiros anos do século passado nos Estados Unidos e sobre como as questões materiais e humanas foram colocadas em jogo neste cenário peculiar. Em termos técnicos, talvez nada tão impressionante tenha sido feito recentemente.

 

02 – Vidas Passadas, de Celine Song – este filme por pouco não ocupou o primeiro lugar de nossa lista. Escrito, dirigido e roteirizado pela cineasta coreana Celine Song, com viés autobiográfico, “Vidas Passadas” é uma lindeza cortante. Baseado na relação entre Nora e Hae-Sung, dois jovens de Seul, que se separam aos doze anos de idade, quando ela emigra para o Canadá, o roteiro mostra o reencontro gradual deles após anos separados pela distância e pela vida que escolheram levar. Mesmo assim, com muitas diferenças e após contatos feitos online, os dois decidem se ver pessoalmente em Nova York, onde Nora foi morar. O resultado é impressionante, um verdadeiro oceano de situações contidas, desconcertantes e muito, muito tristes, não pela fatalidade ou algo assim, mas pela inevitabilidade das coisas, das circunstâncias, das pequenas vivências cotidianas que, juntas, montam as nossas próprias e inapeláveis vidas, que não comportam arroubos ou mudanças súbitas. Greta Lee, que interpreta Nora, está no ponto como uma jovem mulher bem sucedida, mas que não esquece de si mesma aos doze anos de idade. Seu marido, Arthur, vivido por John Magnaro, se vê envolvido neste triângulo amoroso-até-certo-ponto e adota uma postura generosa ao extremo. Teo-Yoo, que vive Hae-Sung, completa o elenco como o homem jovem coreano típico, totalmente incompatível para o cosmopolitismo de Nora. É um exercício de sutilezas e desconcertos impressionantes.

 

01 – Retratos Fantasmas, de Kleber Mendonça Filho – Mas arrisco a dizer que o maior mérito de “Retratos Fantasmas” não é a detalhada pesquisa ou a montagem exuberante. Tampouco o ótimo roteiro/narração do próprio diretor. É a possibilidade dele poder oferecer sua própria contribuição para este universo em fluxo contínuo. Ao expor todas as informações em seu filme, Kleber Mendonça se insere, não só como realizador de produções audiovisuais, mas como um estudioso, um pesquisador, um guardião de uma memória que, como deve ser, é oferecida à sociedade. A partir de seu filme, gerações no porvir terão acesso a esta história de idas e vindas no tempo, de personagens únicos, de vidas, fotos e registros que existiram em função dessas extintas salas de cinema. Kleber sabe que, ao realizar este filme, conseguiu trazê-las de volta do passado e torná-las vivas no presente. Por isso digo que “Retratos Fantasmas” não é um filme nostálgico, pelo contrário. Ele é uma audaciosa subversão ao tempo, um contrafluxo. Talvez um milagre. Não tenho palavras para definir a emoção que senti ao ver um trabalho tão belo e generoso. Não deixem de ver, sob nenhuma circunstância.
(leia a resenha completa aqui)

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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