Os agridoces e geniais Pet Shop Boys
Pet Shop Boys – Nonetheless
44′, 10 faixas
(Parlophone)
Há poucos dias o jornal inglês The Guardian promoveu um bate-papo com Neil Tennant e Chris Lowe, mais conhecidos como Pet Shop Boys. Foi mais uma entrevista coletiva, aberta para o público presente ao auditório do períodico e para fãs online. A conversa foi mediada pelo jornalista Alex Petridis, responsável pela editoria de música do Guardian e correu como se fosse uma reunião de família. Não é pra menos: os Pet Shop Boys estão completando quarenta anos de carreira e, como disse Petridis a certa altura da conversa, “o trabalho da dupla permanece atemporal”. Entendo a afirmação e endosso – mesmo que a música do duo seja calcada no uso de tecnologia – sintetizadores, teclados, samplers, efeitos e tudo mais – a moldura emocional que Tennant e Lowe conseguem adaptar a cada disco e canção, torna sua obra e carreira algo bem difícil de analisar por conta do tempo transcorrido. Claro, houve momentos melhores e piores na trajetória do PSB, mas, de uns tempos pra cá, a dupla encontrou um caminho confortável para compor suas canções e álbuns. Mais ainda: soube, por meio de remixes constantes, lembrar aos fãs mais jovens de suas obras mais antigas, resultando num belo exemplo de atualidade constante. E este novíssimo “Nonetheless”, o décimo-quinto disco da carreira do duo, dá continuidade a este processo.
Outro fator que contribui para esta sensação de atemporalidade é o fato da dupla nunca ter deixado de acompanhar a cena musical. Tennant, que é uma das personalidades mais bacanas do ramo, sempre aparece dando pitacos aqui e ali em programas de entrevistas, podcasts, dando declarações como “Taylor Swift é a margaret thatcher do pop”. Para produzir este novo álbum, a dupla convidou James Ford, que pilota o estíudio para o Arctic Monkeys. Com o tempo, Neil se tornou um excelente letrista, verdadeiro cronista da cena clubber londrina há décadas, mesmo que há tempos tenha mudado seus interesses, achando espaço para uma nostalgia bem humorada, ácida e irônica, como se tirasse sarro de si mesmo e de seus contemporâneos. É um cara bem humorado e sagaz. Chris Lowe é um mago dos arranjos e teclados, suas programações são lindas, elegantes e, com o tempo, ele encontrou o equilíbrio entre batidas frenéticas e verdadeiras tapeçarias de cordas, pianos e metais. É um monstro da sutileza e da delicadeza.
Não há faixa ruim em “Nonetheless”. Todo o álbum é brilhantemente concebido e executado, com alguns momentos que atingem o máximo da criatividade que o PSB já demonstrou em sua carreira. O uso das cordas é um dos grandes achados por aqui. Se, por um lado, ele diminui a rapidez das batidas em alguns momentos, em outros, ele serve como adereço e complemento para arranjos muito elaborados. Aliás, poucas vezes, talvez em “Behavior”, de 1990, a dupla tenha soado tão elegante. Um bom exemplo desse pacote sonoro 2024 dos PSB talvez seja o segundo single lançado, “Dancing Star”, que enverga uma batida disco-funk legítima, que vai sendo turbinada por cordas e outros elementos harmônicos, enquanto Tennant usa seu já habitual tom enfadado para narrar a história da passagem do tempo para os frequentadores da noite. Aliás, como dissemos, Tennant é especialmente irônico com isso, chegando ao genial em “A New Bohemia”, faixa pouco ou nada dançante, na qual ele analisa como os popstars mais velhos perdem espaço nas badalações noturnas e são substituídos pelos boêmios da vez, promovendo um choque cultural emoldurado por um arranjo lindíssimo, que evoca o pop do fim dos anos 1960, especialmente Burt Bacharach.
O velho maestro americano assombra também os arranjos de “The Secret Of Happiness”, que tem melodia popíssima e progressão de teclados que vai levando tudo para um belo refrão que explode em meio a naipes de cordas característicos. “New London Boy” é outro momento sensacional, totalmente envolvido em teclados que alternam sutileza e força, com mais uma letra que analisa a passagem do tempo, quase como se fosse uma nova “West End Girls”. Outras canções lindas estão pesentes, caso de “Feel” (talvez o momento mais dançante do álbum), a faixa-título e “Why Am I Dancing”, que também investe sobre a pista de dança em meio a riffs de metais sintetizados e ritmo em forma de baticum constante. Em “The Schlager Hit Parade”, a dupla ironiza a produção pop mais popularesca (“schlager” é gíria alemã para este tipo de canção) usando um arranjo reconhecível pelo drama e pela batida característica. Outro momento dançante e sensacional é “Bullett For Narcissus”, que tem levada aerodinâmica e arranjo mais econômico, abrindo espaço para o encerramento com “Love Is The Law”, uma não-balada com batidão que arranha timbres dos anos 1990 e a modernidade trap.
“Nonetheless” é um baita álbum. Não faria feio em meio ao melhor da produção da dupla e consegue isso sem repetir fórmulas. É apenas a dupla compondo e gravando como sempre fez. A safra de canções dos PSB é ótima, pelo menos, desde 2013, quando lançou o ótimo álbum “Electric”. Pelo que parece, eles seguem ainda mais inspirados. Não perca um dos grandes discos de 2024.
Ouça primeiro: tudo.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.