Ben Folds retorna em grande álbum
Ben Folds – What Matters Most
40′, 10 faixas
(New West)
Me lembro como se fosse hoje. Era 1996 e eu estava na sala de jantar da minha família. O televisor estava sintonizado no Multishow, que naquela época reproduzia programas do canal canadense Much Music. Um desses programas era um especial com um trio chamado Ben Folds Five (trio? Five?). Já amei a banda sem mal conhecer. Esse programa do MuchMusic largou o vocalista numa esquina e disse pra ele tentar pegar carona com estranhos até o fim do quarteirão, e ficar repetindo isso enquanto eles filmavam. Nos 10 segundos (ou menos) de cada carona, ele tinha que explicar quem ele era (Ben Folds) e o que ele queria (falar do disco da banda). Comédia garantida e mais uma distração dos meus estudos para o vestibular.
Até aí tudo bem. Mas quando a música começou…foi uma patada no peito. Power Pop lindo, sem nenhuma guitarra: piano, baixo e bateria para quem gostava de harmonias, era nerd, mas tinha energia de sobra e talvez um círculo de amizades diminuto. Era música feita para mim. Desde então acompanhei TUDO que Ben Folds lançou. Vi ele tocar em lugares esdrúxulos (praça de alimentação de shopping center), e não tão esdrúxulos assim (Central Park), em bares, teatros, com orquestras sinfônicas, quartetos de cordas, ou até mesmo sozinho.
Isso tudo é pra dizer que, quando a gente acompanha o trabalho de um artista por muito tempo, corre-se o risco de se esperar sempre a mesma coisa dessa pessoa. Porque nós somos criaturas de hábito. Só que o tempo nos marca, nos ensina, e, se tivermos sorte, nos amadurece. ‘What Matters Most’, o novo disco de Folds depois de um hiato de 8 anos, nos oferece a perspectiva musical de um músico experiente, na meia-idade, e que agora navega esse mundo polarizado, combativo e pós-pandêmico, onde é difícil saber se já chegamos no fundo do poço, ou se ainda temos mais profundezas a percorrer. Tudo isso sem deixar de ser o mesmo Ben Folds de sempre: bem humorado e com um talento ímpar para harmonias e arranjos épicos.
O álbum abre nesse espírito com But Wait, There’s More, que combina a ecos de Brian Wilson e Burt Bacharach, perguntando se você ainda acredita na bondade humana. E depois de um início desses, vem canções sobre a ansiedade gerada pela espera (por vezes interminável) pela resposta de uma mensagem de texto que demora a chegar (Cloud and Ellipsis), o auto menosprezo que músicos em tournée sentem depois de peripécias com fãs (Exhausting Lover), e talvez uma das mais impressionantes canções da carreira de Folds até o momento: Kristine From the 7th Grade.
Essa é uma daquelas faixas que desencadeiam uma explosão de reconhecimento em cada ouvinte. A polarização retratada na música é universal, tão presente nas nossas vidas, que é quase como se estivéssemos ouvindo nossa própria história. Todos conhecemos uma Kristine. Uma figura do passado, talvez colega de dos tempos de escola, que reaparece no seu Facebook carregando consigo um turbilhão de opiniões incendiárias, ansiosa para espalhar fakenews e gerar discórdia. Ela é aquela figura que provavelmente mandou correntes no seu grupo de WhatsApp sobre a Mamadeira de Piroca. Tal qual os americanos na era Trump, nós brasileiros tivemos que lidar com muitas Kristines nos últimos anos. E talvez elas tenham vindo para ficar.
Na entrevista que fiz com Folds sobre o lançamento do novo álbum, ele me disse que sentiu que precisava respeitar o espaço dos músicos mais jovens e fazer caminho para eles. Que por muitos anos, achou por bem não gravar mais discos. Mas, conforme o tempo passava, ele começou a sentir que tinha algo a expressar e que poderia fazê-lo com generosidade e um ‘conhecimento de causa’ que só quem chega a uma certa idade pode oferecer.
Para minha alegria, e para muitos de nós na casa dos 40 e dos 50, ele mudou de ideia e gravou esse disco.
Porque a gente também precisa de música, sabe?!? Contribuições de artistas experientes como Folds são inestimáveis porque nos ajudam a compreender e a navegar por um mundo em constante mudança. E ao abordar essas questões universais, What Matters Most cumpre uma função muito importante na conjuntura atual. É um álbum que nos ajuda a entender que não estamos sozinhos nas nossas experiências, sejam elas confrontar a Kristine da nossa vida ou lidar com as complexidades da meia-idade numa era pós-pandêmica.
Se você está exausto, preocupado com boletos, esperando que todo mundo no busão esteja com as vacinas em dia, ansioso, pensando que o pico da sua carreira já passou, ou sem paciência, mas com pena dos seus conhecidos que ficaram meio trololós nos últimos anos, escute What Matters Most e sinta-se abraçado.
Angela Watt é jornalista com mais de 20 anos de carreira nas áreas de cultura, ciência e tecnologia. Com passagens pelos sites da MTV, Rolling Stone Brasil, Terra e jornais impressos, é especialista na cena musical britânica dos últimos 50 anos. Atuante na defesa dos direitos de pessoas neurodivergentes, se estabeleceu em Glasgow (Escócia) em 2010, onde também é correspondente brasileira para diversos veículos de comunicação.