Lucas Arruda o soulman do Brasil

 

 

 

 

Lucas Arruda – Ominira
38′, 9 faixas
(Favorite Records)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

 

 

O soul brasileiro é um estilo de poucos e ótimos participantes. Desde o início, com Cassiano e Tim Maia, é uma música que combina força e sutileza, sempre procurando encontrar uma maneira de falar do Brasil para os brasileiros. Sim, porque, exceto por sucessos como “Primavera” ou “A Lua e Eu”, o soul-funk brasileiro é muito mais curtido e apreciado no exterior. Mesmo que tenhamos figuras como Claudio Zoli, Max de Castro, Ed Motta e Simoninha, apenas para citar os mais conhecidos e bem sucedidos, tal regra não mudou. A visão de Brasil que o romantismo da soul music brasileira oferece é muito mais caro e visível para públicos europeus, japoneses e por aí vai. Dentro desta lógica, o capixaba Lucas Arruda é o mais promissor nome do estilo surgido nos últimos dez anos e eu aposto que pouquíssimas pessoas que leem este texto o conhecem. Sim, porque, apesar de lançados no país em tiragens curtíssimas, os quatro álbuns de Lucas foram editados pela gravadora francesa Favorite Records, o que lhe dá espaço lá fora, mas o torna um desconhecido por aqui. Azar o nosso.

 

Quem tentou espalhar a notícia da excelência do trabalho de Lucas foi o próprio Ed Motta, que o saudou nas redes há pouco mais de dez anos, quando lançava “Sambadi”, seu primeiro álbum. Desde então, ele vem produzindo música com calma e foco, se permitindo visitar vários terrenos dentro da própria área da soul music brazuca. Em “Sambadi” ele ingressou no mundo da eletrônica, lembrando um pouco o que Max de Castro fazia nos seus primeiros trabalhos. Em “Solar”, de 2015, Lucas enveredou mais pelo terreno do AOR, mantendo a inequívoca pegada brasileira, lembrando um pouco o que Lincoln Olivetti e Robson Jorge faziam na virada dos anos 1970/80 e, no último trabalho, “Onda Nova”, de 2019, ele mergulhou em fusões desta sonoridade oitentista com elementos pop, reverenciando, sobretudo, Cassiano, algo que já se nota no título do álbum. Dentre todos o que fez, este é o meu preferido. Agora, cinco anos depois, casado e pai de família, o homem retorna com este surpreendente e corajoso “Ominira”.

 

O título significa “Liberdade” em iorubá e marca um compromisso de Lucas com seu ritmo próprio de compor e gravar, bem como uma identificação com sua ancestralidade e o paradoxo que é ser um artista de soul/funk e iniciar sua formação musical ouvindo mestres americanos, como Marvin Gaye, Smokey Robinson e George Duke, jazzista cujo disco “A Brazilian Love Affair”, lançado em 1979, é um marco nessa fusão de elementos originais com música feita por aqui. E foi pelo olhar estrangeiro que Lucas foi entendendo a dimensão exata da nossa produção local. Parece complicado, mas é só uma outra ideia de Brasil, na qual a produção popularesca atual simplesmente não existe e vivemos num lugar em que todos têm sensibilidade e capacidade para apreciar obras populares não tão populares assim. “Onda”, de Cassiano, lançada em 1975, precisou fazer sucesso em clubes londrinos para ser devidamente apreciada por aqui há alguns anos. Iniciativas de gravadoras estrangeiras – a própria Favorite, que é francesa – tornam possível esse contato, mas ainda é pouco.

 

Em “Ominira” Lucas ousa bastante e investe na música instrumental, entregando cinco composições belíssimas. “The Bravest Heart”, por exemplo, é uma típica composição que poderia ser assinada pelo Azymuth ou por Djavan em seu período mais “americano”, nos anos 1980. As progressões, a melodia, o arranjo, tudo é muito bonito, bem feito e bem pensado. “4:28 AM” é outro exemplo, mas já com Lucas cantarolando a melodia, usando recursos do jazz mais polido e oitentista, com uma melodia que pede letra, mas que funciona bem sem ela. Em “Abraço Pro Ed”, Lucas se sai com um frenético samba jazz em alta velocidade, bem ao gosto do homenageado, expressando gratidão e admiração. Nas faixas cantadas, o homem também faz bonito. “Novos Planos”, que tem um DNA Rio 1982 a toda prova, soa novamente como Djavan mas também tem um pouco de samba rock em teores muito leves, como um Bebeto remixado para tocar em um clube de Ibiza. E “Outras Dimensões”, com participação da cantora Flavia K, é puro soul soft radiofônico, universal, romântico e perfeito.

 

“Ominira” é uma beleza de disco. Tem produção bem feita – a cargo do próprio Lucas -, temas muito bem pensados e um lirismo sutil, que parece sempre ter estado presente, mas que, ao mesmo tempo, é novo e fresco. Um discaço.

 

 

Ouça primeiro: “The Bravest Heart”, “Novos Planos”, “Outras Dimensões”

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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