Sambalanço – Quando a Bossa era popular

 

Ziriguidum, telecoteco e balacobaco. Estes termos são uma espécie de tradução do ritmo e da maravilha que era a música brasileira-carioca, feita na virada dos anos 1950/60. Podemos dizer que era uma versão dançante e popular, gerada no mesmo afluente criativo que nos deu a Bossa Nova. Se este, que foi o ritmo mais conhecido do Brasil nos anos 1960, dentro e fora do território nacional, o Sambalanço foi sua variante popular, incandescente e irresistível.

 

O documentário “Sambalanço – A Bossa que Dança” oferece ao público uma raríssima oportunidade de se embrenhar na selva do esquecimento que brotou onde antes o estilo passeava de mãos dadas entre rapazes e moças, vestidos formalmente, nos salões de baile da velha capital do Brasil. Uma Guanabara mitológica, que pulsava de luz e som, no mesmo lugar onde hoje existe este esmaecido Rio de Janeiro, de prefeitos-bispos e governadores fascistas. Era uma cidade a produzir sua própria cultura, que, por sua vez, espelhava muito do Brasil que se traduzia nos acordes e batuques das músicas que surgiram no Sambalanço. Fabiano Maciel e Tárik de Souza, diretor e crítico musical/roteirista, respectivamente, fornecem imagem, som e narrativa deste momento especial da cultura musical brasileira.

 

Para isso, recuperam imagens raras e fazem um levantamento de dados essenciais para que o fã de música se aventure com segurança nas searas do Sambalanço. Um a um, os responsáveis pela pujança da música feita naquele início de anos 1960, vão passando pela tela. Vemos depoimentos comoventes e apaixonados de Durval Ferreira, Orlandivo, Paulo Silvino, Ed Lincoln, Wilson das Neves, todos já falecidos, informando sobre a importância que aquela música de baile teve na cidade e não vida deles mesmos. Também surgem fãs das festas dançantes, que se emocionam ao ouvir as canções que embalaram namoros e adolescência, num tempo que passou.

 

Além destes heróis que já partiram, temos reconhecida/reafirmada a importância de gente como Walter Wanderley, Eumir Deodato, João Donato, Elza Soares, entre muitos outros, que surgiram naquele tempo, de diferentes formas e com impacto inegável na música. Fabiano Maciel é craque no uso das imagens de arquivo e alterna sequências dos depoimentos mais recentes com filmes antigos, além da inestimável apresentação do conjunto de Ed Lincoln – com todos reunidos no palco – no CCBB, em 2003, marcando sua primeira e única vez num palco de teatro.

 

Fazer justiça ao estilo e aos músicos é exercitar e promover a memória da música brasileira genuinamente popular. Neste período, o Sambalanço soube se abastecer da influência da Bossa Nova e transformá-la em algo capaz de transcender o âmbito da Zona Sul carioca e adentrar os outros bairros da cidade, tornando-se algo novo e, para muitos, melhor.

 

“Sambalanço – A Bossa que Dança” é totalmente obrigatório para quem se interessa pelo Rio, pela música popular e pelo Brasil. Em tempos como os atuais, pode e deve servir de inspiração e antídoto. Ele estreia amanhã, no Cine Odeon, às 18h, em sessão especial.

 

Sambalanço – A Bossa que Dança
Brasil, 2019
Direção: Fabiano Maciel
Roteiro: Tárik de Souza

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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