“Guerra Civil” é um ótimo road movie turbinado

 

 

“Guerra Civil” estreia hoje no Brasil com a pecha de grande lançamento do primeiro semestre até agora. Com trailers explosivos, anúncios na grande mídia e a badalação extra por contar com o ator Wagner Moura em seu elenco, o longa de Alex Garland promete e faz barulho. O motivo é simples: sua ação se passa num futuro a curto prazo, no qual os Estados Unidos vivem momentos de secessão, ou seja, rompimento do pacto federativo que une os cinquenta estados. Dois deles – Califórnia e Texas – deixaram de fazer parte da União e se rebelaram. Além deles, a Flórida também está mobilizada para pegar em armas contra o que restou do país, simbolizado pelo governo central, em Washington DC. Mas as coisas não estão nada bem, uma vez que o país está ruindo a olhos vistos, desintegrando-se em meio a uma marcha das forças insurgentes em direção à capital, onde o presidente está isolado.

 

Interpretado pelo ótimo Nick Offerman, ele só aparece em meio a pronunciamentos esparsos direcionados à nação, conclamando os “americanos de bem” a se unirem e repelirem a ameaça separatista. Isso é tudo que Garland fornece ao espectador sobre o estado político do país. O filme não trata disso, pelo menos, não de uma maneira objetiva e didática. As outras informações que são passadas vêm do veterano jornalista Sammy, vivido pelo sensacional Stephen McKinley Henderson: o presidente está no terceiro mandato (inconstitucional), dissolveu o FBI e autorizou bombardeios de aviões de combate sobre território americano. Ou seja, é o suficiente para entendermos o tipo de pessoa que está no poder e quem a colocou lá. Garland insere uma trama interessante em meio ao cenário de caos total. Um grupo de jornalistas de guerra sai de Nova York para Washington DC, com o objetivo de fotografar e entrevistar o isolado mandatário do país. Além de Sammy, estão no grupo a fotógrafa de guerra Lee (ótimo desempenho de Kirsten Dunst), o repórter freelancer Joel (Wagner Moura bem convincente e à vontade) e Jessie (Cailee Spaeny), uma fotógrafa iniciante.

 

O filme coloca o espectador dentro do carro e o leva na jornada pelo desagregado país, mostrando que, no vácuo do poder e da ordem, surgem milícias, grupos, facções que assumem o comando regional em maior ou menor espaço e passam a governar com suas próprias “leis”. A jornada é eletrizante e muito tensa, mostrando vários momentos terríveis, sendo a sequência em que aparece o ótimo Jesse Plemmons, como um supremacista racista, a mais terrível e assustadora de todo o longa. Ao manter o roteiro distante das informações objetivas, Garland foca no drama humano e na violência que tem origem na fragilidade das relações sociais e nos passa a impressão de que tudo está por um fio, podendo ruir a qualquer momento. Mais ainda: ao focar na desagregação dos Estados Unidos da distopia que filma, ele aponta para as inúmeras camadas que compõem o quadro social, político e religioso, não só de lá, mas de várias regiões do globo, que flertam com líderes populistas e autoritários, elegendo-os e aos seus apoiadores.

 

As cenas de ação têm muitos méritos. A engenharia de som é impressionante e a sequência final, nas ruas de Washington, é de tirar o fôlego. A ideia de dar mais importância à jornada do que ao seu final, ainda que não seja novidade no cinema de guerra, tem ótimas realizações no passado. Confesso que, em meio à sucessão de fatos que vão forjando a equipe no meio do caminho e em como eles chegam próximos ao seu final, lembrei de alguns momentos terríveis de “Apocalipse Now”, épico de Francis Ford Coppola, de 1979, que lida exatamente com a manutenção da sanidade e de uma certa ética humana em meio a um cenário de desintegração completa de regras, leis e princípios morais. O filme de Garland não tem – e nem pretende ter – a mesma escala de “Apocalipse”, mas há alguns paralelos e comparações possíveis. O trabalho de câmera é muito bom, as coreografias são eficientes e a trilha sonora pontua momentos importantes, com De La Soul, Skid Row (!!) e uma marcante presença de “Dream, Baby, Dream”, do duo Suicide.

 

Como última camada que Garland traz no longa, está a valorização da função e da presença do jornalismo em meio a cenários em que a verdade precisa ser mostrada e difundida. A presença do time de profissionais que se descola em direção a Washington mostra como o ofício pode e deve ser feito. “Guerra Civil” deixa pistas importantes em seu caminho. Não as deixemos de lado.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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