Pearl Jam joga pra galera em novo álbum

 

 

 

 

 

 

Pearl Jam – Dark Matter
48′, 11 faixas
(Monkeywrench)

3.5 out of 5 stars (3,5 / 5)

 

 

 

 

 

Já faz algum tempo que perdi o interesse pelo Pearl Jam. A culpa não é de Eddie Vedder e seus camaradas, é somente minha e de minha maneira de enxergar e valorizar a música e o transcorrer do tempo. No caso de uma formação perene como é o caso da veterana banda de Seattle, a cada novo álbum, procuro indícios de uma centelha de ousadia que a leve em direção a algo inédito. Em meio a vários lançamentos em que este elemento não existiu, “Gigaton”, de 2020, despertou meu interesse pelo revestimento surpreendente que o single “Dance Of The Clairvoyants” exibiu, uma coisa meio Talking Heads, meio new wave, meio esquisita, mas que pegou admiradores, jornalistas e fãs com as calças na mão. O resultado positivo que o single trouxe colocou todas as fichas no fato de que “Gigaton” seria o primeiro álbum em que o Pearl Jam abriria sua receita grunge de rock clássico para elementos “estranhos” em muito tempo. Bem, tal fato não aconteceu e, ainda que fosse um trabalho bem feito e honesto, como toda a discografia da banda, me causou certa decepção. Agora, com “Dark Matter”, retomo a expectativa pouco ansiosa de ouvir algo novo e instigante do Pearl Jam, algo que já não acontece, em termos estéticos, desde “No Code”, de 1996.

 

E, bem, não aconteceu de novo. E olha que havia motivos para apostarmos neste “twist of fate”, especialmente pelo recrutamento do produtor Andrew Watt, que tem assinado álbuns de todo mundo, de Iggy Pop e Ozzy Osborne, a Dua Lipa, Miley Cyrus e os Rolling Stones. Watt, um trintão sortudo e razoavelmente talentoso, acredita na aproximação do rock com o pop e tenta agir em ambos os lados do rio para que isso ocorra. Às vezes funciona, noutras não. E em outras, sua presença pouco acrescenta ao resultado final. Este último caso é o que comporta “Dark Matter”. Aliás, para ser mais justo, Watt é responsável pelo timbre de lata que a bateria poderosa de Matt Cameron exibe ao longo das onze faixas do álbum. Em décadas de carreira, é a primeira vez que a bateria do Pearl Jam me irrita. Mesmo que seja pouco mais que um detalhe, é um sinal de alerta para a qualidade do trabalho do sujeito. Enfim, a safra de canções assinadas pela banda mostra novamente os temas principais: angústia, solidão, raiva com o estado das coisas e preocupação com o fim que todos podemos ter.

 

É uma marca registrada de Eddie e companhia, algo que reflete o modo deles verem o mundo e seria muito estranho se o próximo trabalho do grupo fosse feliz, contente, alegre e sorridente. Mas – e aqui vai minha reclamação – há muitas maneiras de entregar a mensagem de que, sim, as coisas estão mal e podemos morrer ao dobrarmos a esquina, enquanto tudo o que temos, sabemos e amamos pode, simplesmente, não estar mais lá no fim do dia. Afinal de contas, são 42 anos de carreira de serviços prestados na projeção da indignação e da raiva contra o sistema ou boa parte dele. Sendo assim, as onze canções de “Dark Matter” é, em sua maioria composta por rocks, rockões e baladas torturadas, enguitarradas (Mike McCready é um dos grandes em atividade) e versando sobre estes temas acima. Os momentos que me despertaram atenção vieram, justamente, quando o Pearl Jam, ainda que timidamente, abriu espaço para algo novo, curioso, instigante. E, bem, há quatro momentos em que isso acontece.

 

O terceiro single, “Wreckage”, é uma belezura ritmada e enguitarrada à la Tom Petty And The Heartbreakers, uma influência que o Pearl Jam tem incorporado nos últimos anos com naturalidade. O andamento da canção é a grande diferença e sua leveza contrasta com a barra pesada da letra, que faz um inventário de um relacionamento que acabou. O fantasma do U2 assombra a simpática “Won’t Tell” e isso talvez seja o mais audacioso momento do álbum. Há muito, muito, muito tempo o Pearl Jam não soava tão radiofônico e amistoso. Pode ser uma concessão de momento, mas esta canção é ainda mais fluida que “Dance Of The Clairvoyants”, do álbum anterior. Já no terreno do mais habitual que a banda costuma entregar, temos a adorável “Something Special”, com levadinha acústica e guitarras que vêm e vão, mostrando que Eddie Vedder é um bom cantor mesmo sem se esgoelar. E “Got To Give”, que é o Pearl Jam em sua belezura máxima na pós-modernidade – uma canção que poderia ser de Bruce Springsteen, ritmada, feita sob medida para estádios.

 

“Dark Matter” não vai mudar o mundo, tampouco é “o melhor disco da banda”, como o prório Eddie Vedder vem dizendo por aí. É mais uma entrega com alma e dedicação que o Pearl Jam faz em todos os discos. Mesmo sem muitas novidades e quase zero ousadia, isso ainda conta bastante.

 

 

Ouça primeiro: “Something Special”, “Won’t Tell”, “Got To Give”, “Wreckage”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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