Anitta tenta encampar o funk nacional para o mundo

 

 

 

 

Anitta – Funk Generation
35′, 15 faixas
(Universal)

3 out of 5 stars (3 / 5)

 

 

 

 

Sempre que vamos falar de Anitta, precisamos fazer a seguinte ressalva: é uma artista vencedora, que obteve/obtém sucesso por conta de sua ousadia e capacidade de aproveitar boas oportunidades e aliar talento empresarial com boas escolhas e realizações interessantes. Além disso, claro, Anitta tem talento artístico. Sabe cantar, sabe dançar e tem um tino inegável para o marketing. Há um grande problema na conjuntura pop mundial (americana) na qual ela quer penetrar: jamais haverá espaço para Anitta (ou outra cantora não-branca americana) que lhe dê algum trono ou título de “maior do planeta”. Alguém pode dizer que ela não está interessada nisso e eu irei discordar. Anitta, quer, sim, crescer até onde for possível. E dentro desta lógica segregacionista do mapa pop mundial, ela só poderá chegar a ser a maior artista latina, exótica, diferente, vigente na ordem do dia musical. Desde que chegou a este patamar, mais precisamente, no quarto álbum, “Kisses” (2019), ela vem soando como um híbrido latino-alguma coisa. E este “alguma coisa” é, via de regra, o espaço que sobrou para o funk carioca, sua origem. Agora, com “Funk Generation”, ela resolveu pesar a mão nesta sua primordial influência. O resultado, bem, como tudo que diz respeito a Anitta, é variável.

 

Variável porque, a cada disco, vemos que o talento segue presente. Tem humor, tem inteligência, sensualidade, sabe cantar em inglês e espanhol, mas, resolveu aceitar a regra de ser uma artista latina de sucesso mundial, em vez de uma artista brasileira de sucesso mundial. Entendem a diferença? O que ela – e seu time de colaboradores, produtores e media trainers – faz é pop sob medida para esta prateleira latina-exótica, na qual estão várias artistas como ela, de Cardi B a Camila Cabello, variando de hip hop a reggaeton em diferentes intensidades. O que lhe dá a diferença é, justamente, o funk carioca. Só agora, cinco anos depois de se candidatar – e entrar – ao pop mundial massivo, Anitta reivindica com força e vigor a sua origem sonora, que, até aqui, ficara subentendida no caldeirão latino usual. Há algumas faixas neste novo disco que são inegavelmente próximas do funk carioca de baile, mesmo que sejam envoltas na mais luxuosa produção que o dinheiro pode comprar. Assim como “Girl From Rio”, a polêmica faixa do álbum “Versions Of Me” (2022), em cujo clipe Anitta mostrou um Rio que não aparece nas revistas, novelas globais, sua trajetória abraçando o funk carioca passa por esse elemento contestador, inquisidor, “fora da lei”. Ela terá força e disposição para isso?

 

Pelo menos ela parece disposta. Várias canções presentes no novo trabalho dialogam com elementos funk com mais ou menos intensidade. Ainda que haja muita letra em espanhol (imagine se elas fossem todas em português…), o batidão impera na maior parte do álbum, variando na eficácia. Por exemplo, “Grip” é uma belezura de criação, com menos de dois minutos, cantada em inglês, cheia de graves de baixo, batucada inequívoca e sensualidade de sobra. O single “Funk Rave” também se vale do batidão característico do funk mais usual, com letra em espanhol e português, também faz bonito, ainda que seja, essencialmente um pop eletrônico com pinceladas exóticas aqui e ali. Mais espanhol em “Fria”, esta, sim, totalmente propulsionada pelo timbre das batidas funk mais conhecidas, fazendo bonito. “Aceita” é, provavelmente, a melhor faixa do álbum. Com vocal perfeito em inglês e espanhol, traz a favela na letra, indo da favela a Coachella, num instrumental pop universal espontâneo, mostrando que Anitta também sabe sair dos domínios do exótico.

 

“Double Team” é hip-hop pop universal, novamente com letra em vários idiomas, falando sobre sexo e diversão como meios de afirmação, empoderamento e liberdade femininas, algo que Anitta já faz há muito tempo e que assumiu como uma de suas maiores características. O problema é que “Savage Funk”, talvez o maior momento “puro” do funk carioca no disco, tenha apenas 1:23 minutos, mas, o curto tempo é bem aproveitado pela letra pra lá de explícita. “Puta Cara” também vai na mesma seara, mas com mais ênfase no tom híbrido de funk, pop e hip hop, com acenos ao dembow e ao reggaeton. “Sabana” também é mescla de várias influências, mas tem o freio de mão puxado, prometendo e não cumprindo. E tem “Ahi”, a curiosa participação do cantor inglês Sam Smith, que não anda, nem desanda. “Mil Veces”, pop eletrônico latino com batidões funk no arranjo, fecha o álbum.

 

“Funk Generation” pode cumprir uma missão de apresentar o estilo ao público gringo mais casual. Quem gosta da cantora talvez sinta um pouco de falta de mais citações e uso dos elementos mais tradicionais, mas, se “Funk Generation” servir para Anitta esfregar a brasilidade mais real nas paradas e conseguir galgar degraus com isso, tá valendo.

 

 

Ouça primeiro: “Grip”, “Aceita”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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