Entrevistão Leoni – Muito Além da Música
Por exemplo, o “Expresso 2222” (de Gilberto Gil, lançado em 1972): ele ia te levar pro futuro. Chegamos aqui e o que temos? Agora o expresso roda, roda, roda e não sai do lugar. Toda aquela utopia e deu nisso?
Uma das tarefas mais complexas do jornalista é a edição. Quer dizer, para os jornalistas que ainda têm sangue nas veias e alma. Fizemos – eu e Ricardo Benevides, meu irmão – esta entrevista com Leoni pouco antes da Célula Pop ir pro ar e ela rendeu uma conversa tão boa, tão sensacional, que decidi que não editaria absolutamente nada do que Leoni disse. A gentileza e disposição do cara em nos receber em sua casa, responder nossas perguntas sobre vários assuntos e, por fim, suas respostas foram tão completas e irretocáveis que a decisão é essa: vai tudo pro ar. O leitor da Célula merece. E podemos nos gabar do fato de não haver nada tão recheado e informativo sobre a nossa atualidade quanto esta conversa com Leoni.
O cara está em evolução. Não é só um mestre do pop nacional mas as circunstâncias fizeram dele um pensador, um cara reflexivo em relação ao nosso tempo. Sendo assim, dividimos a conversa em duas partes e publicamos a primeira aqui, agora. Em breve virá a segunda e você poderá ler tudo junto. Por enquanto, por estas perguntas e respostas aqui, já dá pra ver a belezura de conversa que tivemos. Aproveite.
– Essa primeira pergunta é sobre uma matéria que saiu num grande jornal daqui do Rio, sobre o que os hits de hoje têm. Falando sobre o que os compositores de hoje usam para fazer suas canções e o que parece é que esses mecanismos de aferição do que é hit ou não, mudaram muito. E deve ser assim. Como você vê essa mudança na ideia do que é hit, do que é sucesso, como a gente dosa qualidade com sucesso, se uma coisa tem a ver com a outra….
Essa é a pergunta mais difícil. Toda as discussões sobre qualidade de música são subjetivas, na base do “música boa é a que EU gosto”. A pessoa bota na sua própria definição no Facebook “gosto de música boa”. Eu não tenho ideia do que ela gosta. A definição dela de música boa pode ser completamente diferente da minha. Têm estudos falando que você descobre música até os 23, 24 anos, depois vem o saudosismo do que você já ouviu. É raro – a não ser que você trabalhe com música – você estar aberto para outras coisas. Daí vem aquela coisa “já não se faz mais música como antigamente”. Tem um livro da Santuza Cambraia (professora da PUC-Rio, recentemente falecida) no qual ela fala sobre como se afere qualidade em arte. Se você entrar nas redes, a aferição de qualdade é o sucesso comercial. É a única. Não existe o questionamento se o compositor é bom, se há um trabalho por trás daquilo, só a comparação “ah, mas quem faz mais shows?”. Eu não acho que isso possa ser uma forma de aferir qualidade porque sucesso é acaso. Em determinado momento, determinada música faria sucesso. Em outro momento já não faria. E ela deixa de ser a mesma música, com a mesma qualidade embutida nela. A gente fez sucesso nos anos 80 porque abriu uma porteira pra gente ali, tinha o Circo Voador, a Rádio Fluminense FM e uma demanda reprimida por rock no Brasil que não existia, né? Eu lembro de ver shows da Rita Lee e do Raul Seixas, o resto das bandas era underground. Vímana, Veludo, O Terço, O Peso, tudo underground. Calhou da gente fazer sucesso. Hoje em dia tem um monte de bandas de rock tão boas quanto e ninguém presta atenção. Os Móveis Colonias de Acaju acabaram porque não tinham como fazer dinheiro. O Móveis faria sucesso nos anos 1980, uma superbanda. Eu tive a sorte de fazer sucesso e poder viver a partir disso, se eu fizesse as mesmas músicas hoje, não sei se eu ia fazer sucesso.
– Essa coisa do hit então não é uma preocupação tua então? Que essas canções tenham esse chiclete no ouvido? Procurar tocar a sensibilidade das pessoas, independente do sucesso financeiro, não passa pela tua cabeça quando você está escrevendo?
Não dá pra pensar nisso, porque você não sabe se as pessoas vão gostar. A minha experiência é que você faz um disco e se surpreende porque uma música virou sucesso. Eu fiz 12 músicas, por que uma foi sucesso e outra não, você não tem a mínima noção. Eu sempre ouvi muita música pop, então eu ia baseado nas coisas que eu gostava, elas tinham virado sucesso. Eu até escrevi sobre composição, sobre os formatos, eu sempre gostei dos formatos, de música, de poesia. Gosto de escrever sonetos, heroico, eu sempre gostei de formato. Eu percebi que havia um formato, mas o que é interessante na nossa geração é que a gente sempre tentou escapar dos clichês. A gente usava dos formatos, mas sempre com alguma subversão na letra, na melodia, no arranjo. Talvez dê certo, talvez não dê, mas eu não vou arriscar entrar no clichê. O pop americano atual, tem uns suecos produtores e engenheiros que fazem música por lá hoje, que dizem que as músicas têm que ter um gancho a cada oito segundos, um troço meio matemático, frio…Eu gosto de coisa chata também, música longa, introdução enorme, que nada acontece, como eu gosto de livros grandes, que as coisas são difíceis, essa coisa de “dar mastigadinho”, faz com que você pegue um público flutuante, que não tá mergulhado naquele universo e que vai passar. Aquela música não volta, não é regravada. O Alvin L (compositor carioca, ex-Sex Beatles) diz que “algumas músicas são hits, outras são clássicos”. Você pega quantos hits o É O Tchan fez na década de 1990, agora, quantos serão regravados? Quantos serão relembrados? São sucessos…
– Existe esse movimento atual das pessoas gostarem dessas coisas porque são “ruins”, É O Tchan, pagode dos anos 1990, Molejo…Tem muita gente jovem hoje que recupera isso com um olhar meio irônico, no tipo “eu gosto mesmo”, uma coisa irônica…
Ah, mas aí é tipo Festa Ploc Anos 80, né? Eu nunca fiz uma Festa Ploc, tenho orgulho disso porque, se eu não gostava daquelas coisas na época, como eu poderia gostar agora? Eu não falo de qualidade, mas de gosto pessoal.
– As pessoas hipervalorizam a década de 1980 como se tivesse sido um eldorado, com muita coisa ruim pra cultura, pra política, uma década péssima, com Reagan, Thatcher, os yuppies…
Sim, a gente estava com uma ditadura aqui, saindo dela em 1985. Depois a gente pegou uma inflação horrorosa, depois veio o Collor. Eu fico às vezes ouvindo rádio no táxi, toca muita música dos anos 80, daí vem uma música chata, depois outra música chata e, depois vem uma música minha (risos). Eles colocam tudo no mesmo saco…tem aquela (cantando) “the captain of my heart” (mencionando “The Captain Of Her Heart”, do grupo suiço Double, que fez muito sucesso nas paradas radiofônicas brasileiras em meados dos anos 1980).
– Às vezes a gente ouve as suas canções, por mais que elas busquem coisas novas, a gente tem a sensação que você volta a temas que você já buscou em outras fases da carreira. Algumas que parecem que são questões quase fundamentais da sua afirmação como compositor. É de caso pensado ou vai no automático?
Eu agora estou fazendo faculdade de Letras. Graduação. E eu tenho uma professora que diz “as pessoas têm três questões na vida e elas escrevem sobre essas questões”. Pode-se disfarçar, escrever uma história, uma poesia, mas são sempre três questões. Eu sei que eu repito os temas…Eu tenho um tema que é a busca da felicidade, outro que é falar da superficialidade, de moda, de um mundo que eu acho esquisito, mas eu também acabo forçando uma barra pra falar de alguma coisa que seja mais profunda, mas acabo fazendo isso em poesia, não muito em música. Agora eu estou num projeto com o Lourenço Monteiro (baterista do D2), o Humberto Barros (tecladista) e o Fabiano Calisto, que é um poeta paulista. Chama Hipopótamo Alado, são só músicas longas, eletrônicas, muito pra baixo, pra retratar os tempos de hoje. As introduções são longas, tem partes instrumentais de dois minutos que não têm nada a ver com a música, daí volta…Tem essa necessidade de expandir, dane-se de vai fazer sucesso ou não. Nessa altura da vida eu tenho minha carreira, faço show, é mais pela vontade de expandir, de testar coisas novas. Tem dois tipos de artistas, o que não descansa nunca e os que não ligam muito pra isso. Por exemplo, o Chuck Berry: fez as canções importantes lá na virada dos anos 1950/60 e pronto, depois não mudou nada. Jorge Ben Jor…ninguém vai no show pra ver qual é o último disco dele. E ele tá satisfeito com isso. Eu não sou assim. Já fiz disco só de violão e voz, com banda, estive em dois grupos, eu tenho essa coisa…Mas também tenho uma coisa de voltar ao passado e pensar em como eu via esses assuntos em outros tempos. Agora eu voltei com a nova versão de “A Fórmula do Amor”, já tinha feito isso com “Garotos II”…
– A gente diz que tem muito clichê em música, mas também tem muito clichê em entrevista também…
Teve uma vez que eu fiz uma listinha de perguntas que os jornalistas deveriam evitar e coloquei no meu site. Por exemplo, você chega numa cidade e a pessoa pergunta “e aí, tá gostando da nossa cidade?” Você vai dizer o quê? Que não? Depois você marca o show praquela noite, ensaia, se prepara e a pessoa vem: “o que você espera do show dessa noite?”…dá vontade de dizer que eu espero que seja um fracasso, que não venha ninguém, que eu esqueça a letra…Daí uma vez eu contei isso pra uma jornalista, quando chegou a hora de gravar, deu um branco nela (ri muito), ela travou, não tinha mais pergunta. Ou então você acaba de gravar um disco, caprichou, investiu tempo e grana nele e vem alguém perguntando “e então, quais seus planos futuros?”. Nenhum! Não tem futuro agora, só presente, não tenho nenhum plano agora. Futuros? Nenhum.
– A tua inquietação com música também é tua inquietação com a política, né? Você tem uma visão mais progressista. Você sempre teve esse envolvimento ou se indignou com o que vem acontecendo recentemente no país?
Eu sempre gostei de ler sobre o assunto, mas no fim dos anos 1990/2000, começou-se a repensar a questão dos direitos autorais. Fui várias vezes ao Congresso com o GAP – Grupo de Ação Parlamentar, Ivan Lins, Frejat, Fernanda Abreu, gente de editoras, artistas, pra falar sobre esse assunto e eu me encantei pela Internet, pelo caráter libertário que ela tinha no início e que já foi completamente pro saco. O Zygmunt Bauman diz naquele livro “Em Busca da Política” que a crise da representatividade que existe hoje se traduz na falta de uma ágora, uma praça pública pra discussão e eu achei que a Internet seria isso, esse lugar. Mas não existe diálogo na Internet, ou as pessoas concordam com você ou te atacam, não há mais nada além disso. Eu achei que a Internet serviria pra muita coisa, inclusive pra própria questão dos direitos autorais, porque, no Brasil, isso é muito agressivo. O ECAD praticamente pune o fã da música. E ainda tinha as gravadoras que processavam os usuários de música, porque baixavam os arquivos da Internet. Então eu entrei numa de que era possível ter um mundo mais bacana, mais compartilhado, aquela coisa da economia do comum. É possível então um outro mundo mais colaborativo mas isso já foi pro espaço. Eu confesso que me retirei um pouco depois das últimas eleições porque eu percebi que não tem discussão.
– Mas o ponto de vista político continua se manifestando nas letras, né?
Sim, sim, mas eu não fiz nada de lá pra cá. Quer dizer, fiz alguma coisa, mas eu comecei a escrever alguns textos agora no Medium, eu vou me afastando das redes sociais. Quando eu quiser escrever sobre um assunto político, eu vou escrever um texto maior, porque, se você escreve um post ou um tweet, você só vai ser atacado ou compartilhado e mais nada. Eu tenho lido muito, livros sobre a democracia, a verdade, as redes sociais têm por modelo de negócio o acirramento das diferenças. É um modelo de negócio e elas vendem isso e eu vi que não queria mais participar disso, dessa ilusão de que você vai convencer alguém que ele está errado. É uma ilusão, a pessoa não está ali pra isso. Daí eu me afastei, mas eu faço parte de um grupo que está comecando a conversar, sobre como enfrentar esses tempos em que a verdade (os jornalistas), o conhecimento (os acadêmicos) e os artistas são os inimigos. Esse antiintelectualismo em que só fica o fake, a “minha” opinião. Como a gente vai enfrentar isso? O ministro da educação diz que o ensino superior dá pra todo mundo, sendo que a gente só tem 15% da população matriculada, enquanto a média nos países desenvolvidos é de 40%. E ele diz que é muito. A questão do orçamento pra pesquisa, o fim do apoio da Petrobras ao cinema e ao teatro…O cinema brasileiro vai acabar. A gente vê o esvaziamento do conhecimento, das narrativas que são desagradáveis ao poder. A gente precisa pensar nisso a longo prazo, como a gente pode se apoiar, porque é um esvaziamento do que não for utilitário. É um projeto mundial, tem o Erdogan (governante turco), o Viktor Orban (primeiro ministro húngaro), o lider polonês, tem o cara lá das Filipinas. Eles vêm com essa coisa de que o conhecimento é da elite e eu posso me informar aqui pelo whatsapp. E ainda tem isso: a informação vem através de algoritmos que não foram projetados pra ensinar ou informar. O que eu vejo na minha timeline não é o que o bolsominion vê e ele vai achar que eu sou completamente louco porque na timeline dele, as coisas são outras. E eu também vou olhar pra ele desse jeito.
– Essas cisões aqui e no mundo não mostram que a música possa trazer um caminho de conciliação, pras pessoas que pensam diferente poderem comungar do mesmo espaço?
Eu acho que existe esse espaço, mas eu penso que algoritmo de Google e Facebook tinham que ser controlados. Eles estão realmente fazendo com que a sociedade perca a capacidade de diálogo. E se a gente tá sendo desvalorizado, o que a gente diz também é. Tem gente que diz que não vai no meu show porque não vai gastar dinheiro pra esquerdopata. Eu nunca usei Lei Rouanet! Não sou petista! As músicas são as mesmas que ele amava nos anos 1980. Por isso eu tenho buscado algumas coisas mais difíceis, escrevo livro de poesia, pra quem ainda tá interessado. Vamos ficar nós aqui, pensar em como a gente pode viver melhor nesse mundo. Eu tenho uma teoria: a gente deveria votar em quem a gente quer e em quem a gente não quer. Imagina quanta gente votou no Bolsonaro porque não queria o PT. E em quem votou no PT porque não queria o Bolsonaro. Se eles são os mais rejeitados e ambos estivessem afastados, haveria uma possibilidade de diálogo. Os pesos e contrapesos do passado não funcionam mais. A gente tem que imaginar outros contrapesos para que possa haver diálogo. Por exemplo: quem é Witzel? (Wilson Witzel, eleito governador no Rio de Janeiro). Quem era Witzel antes das eleições? A gente já vê uma retração nos Estados Unidos, a ascensão da social-democracia, que eles chamam de socialismo. O Bernie Sanders (candidato a candidato a presidente nos Estados Unidos) já captou seis milhões de dólares em poucos dias de campanha. Aquela congressista americana, Alexandra Ocasio Cortez, as mulheres, mas tudo isso aí vai cair na porrada também. A gente tem que poder conversar. Qual foi a solução para a crise de representatividade? Colocar governantes autoritários porque os políticos não nos representam…
– Uma parte disso tem a ver com a alienação das pessoas, como aquela canção do seu último disco, “Fingir Que Não Dói”, não é mais forte que você, denunciar que existe essa alienação?
Sim, e com a impressão que agora tá todo mundo bem informado. Antigamente as pessoas não estavam interessadas. É um fenômeno que tem a ver com a direita, mas com as próprias redes sociais. Tudo que era apolítico foi politizadado. Os gamers, por exemplo. Eram totalmente apolíticos, ficavam jogando e só. Agora são todos de direita. Ninguém brigava por questões políticas, a gente nem sabia quais eram as posições políticas dos nossos amigos, agora a gente sabe.
– Falei dessa coisa de alienação com você porque isso te incomoda e por mais difícil e pessimista que seja o momento, você continua levando isso pra música.
É, no projeto do Hipopótamo Alado, a gente vai lançar três canções que são baseadas em canções utópicas dos anos 1970. Por exemplo, o “Expresso 2222” (de Gilberto Gil, lançada em 1972): ele ia te levar pro futuro. Chegamos aqui e o que temos? Agora o expresso roda, roda, roda e não sai do lugar. Toda aquela utopia e deu nisso? Como na “Geleia Geral” (de Gilberto Gil e Torquato Neto, presente no disco “Tropicália”, de 1968), aquela coisa do “poeta desfolha sua bandeira” e vem todo mundo atrás…Hoje em dia o poeta nem tem o que desfolhar, ninguém lê o cara…É meio por aí, as canções se inspiram nessa utopia dos anos 1970, até porque eu acho que os anos 1970 se parecem com os de hoje.
– Você tem receio que as pessoas te vejam como um pessimista?
Eu sou pessimista. As utopias, em geral, levaram a fracassos horrorosos. A utopia comunista, a utopia hippie…o fascismo era uma utopia. Elas – as utopias – não têm a capacidade do diálogo, parecem que são uma solução aplicada para todos os problemas da sociedade, mas não funciona assim. Daí, na porrada, as pessoas acabam conseguindo alguma coisa. Os EUA, por exemplo, foram pensados para ser um país racista. Foram as porradas que fizeram com que a lei mudasse. Até o início dos anos 1960, os negros não tinham direito a nada, as mulheres, para votar, tiveram que brigar. Nada foi na política, tudo foi na porrada. Então não dá pra deixar de ser político, eu sei que não vai ter uma solução política, então, vamos continuar na briga, na conversa. Estruturalmente eu sou um budista, que acredita que a experiência da vida é, necessariamente, insatisfatória para todo mundo. Não tem ninguém que tenha a vida inteiramente satisfatória, não tem. É sempre assim, então, a partir daí, vamos aproveitar o que temos. Se você é um otimista, também pode viver frustrado, achando que alguma coisa vai acontecer e, quando vai ver, não rola. A gente tem tido as lições mais duras, “machistas, fascistas, não passarão”. Passaram. “Não vai ter golpe”. Teve. A gente fica berrando, ouvindo os nossos sonhos…agora, na pós-utopia a torcida é pra que não piore. A melhor utopia é você conseguir viver bem e agora. Isso o budismo me ensinou. Quando o Herbert (Vianna, líder dos Paralamas do Sucesso) teve o acidente, eu morava na mesma rua que ele, em Vargem Grande (bairro da Zona Oeste do Rio) e lá tinha um templo budista. Quando ele sofreu aquele acidente, eu fui lá. E fui estudando e tinha essa coisa de saber que não vamos ter uma experiência uma experiência 100% boa. Nas igrejas evangélicas eles fazem o contrário: você vai ter prosperidade se fizer isso ou aquilo. E prosperidade material somente.
– Você tá pesquisando alguma sonoridade para o Hipopótamo Alado?
Não, não. A gente tem usado bateria eletrônica e teclados, basicamente. Uma música ou outra entra um violão de nylon, um acordeon…Mas é algo eletrônico. Eu participo com voz e composição, especialmente nas letras. Os outros dois vêm com a parte musical, com as texturas. De repente a gente vai ter umas vinhetas…Mas a gente quer que seja algo além disso, que tenha um visual, um conceito. O hipopótamo não deveria voar, né? A ideia é pra ser desconfortável, talhado para o fracasso (ri). Um grupo pequeno de pessoas se interessando por isso, a gente já tá satisfeito.
– Essa dificuldade de fazer canção desse jeito te aproxima de quem hoje? O que você tem ouvido que parece fazer uma sonoridade que não tá procurando essa lógica do sucesso?
Engraçado, tenho ouvido muita coisa antiga. Macalé, por exemplo, eu tenho ouvido muito. Do disco novo eu gosto muito de “Limites”, é o tipo de música que poderia estar num eventual álbum do Hipopótamo. O cara ali, no limite do suicídio. Eu acho que tem tudo a ver porque ele lançou um disco muito importante em 1972, pouco tempo depois do AI-5. Agora tá lançando outro, logo depois do golpe, do Bolsonaro. Eu tenho ouvido aquela galera, Sérgio Sampaio, Luiz Melodia…Inclusive tem uma versão de “Farrapo Humano” mas ela é toda em tom menor, muito pra baixo. Aquela música é um bilhete suicida mas ninguém nota por conta do arranjo. A nossa versão é quase um tango, com acordeon…Essa galera dos anos 1970, Belchior…Atualmente eu tenho ouvido o pessoal do rap. Rincon Sapienza, eu acho as rimas dele muito boas. O formato é muito bom, é foda. E dos gringos, Kendrick Lamar, até porque eles têm uma coisa de poesia, de aliteração, que é impressionante.
– O Paulo Miklos deu uma declaração pra um jornal há pouco tempo, dizendo que o rap hoje é o que o rock era nos anos 1980. Você concorda?
Concordo. Meu filho, por exemplo, teve formação musical comigo, gosta de coisas antigas, Led Zeppelin, essas coisas, gosta desses brasileiros dos anos 1970 que eu falei, do Gil e tal, mas ele hoje ouve muito rap. E gosta muito do Tim Bernardes.
Participou Ricardo Benevides
Clique aqui para ler a segunda e última parte dessa entrevista.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
Adorei, quero ler o resto. Leoni muito lúcido, articulado, faz falta ler a expressão do pensamento dos artistas e das pessoas em geral que apreciam o diálogo. Mesmo apontando sua quase impossibilidade nos dias que correm.
A entrevista ficou tão boa que eu vou publicar na íntegra. Por isso a divisão….obrigado pelo comentário.
Bela entrevista. Ultimamente está cada vez mais raro um artista ou personalidade com esse grau de entendimento da nossa situação politica e cultural com coragem de expor suas opiniões. No aguardo da segunda parte.
Parabéns aos entrevistadores e ao entrevistado. Que beleza de entrevista.