Anitta – KISSES

Gênero: Pop, Eletrônico
Duração: 29 min.
Faixas: 10
Produção: Tezzel, Supa Dups, Mambo Kings, DJ Luian, Kedin Maisonet, Henry Pulman, Francis Díaz, Elvin Peña, Ryan Ogren, Dimelo Flow, Lindblad, Zayas, Pedro Dash, Marcelinho Ferraz, Dan Valbusa, Zayas, Sky, Umberto Tavares, Mãozinha, Chris Marshall
Gravadora: Warner

3 out of 5 stars (3 / 5)

 

Estou ouvindo “KISSES”, quarto disco da Anitta, com uma certeza: ela é boa no que faz e sabe exatamente o que faz. Tem uma noção de mercado e posicionamento que dá inveja aos startuppers em geral e nesse pessoal do discurso vazio em inglês. Além de targets, budgets e bullets, Anitta tem um objetivo: alcançar o mercado internacional. Por “internacional”, leia-se: Europa e Estados Unidos. Lembra o modelo de trajetória de um jogador de futebol nascido aqui: torna-se titular num grande clube, fica nele por um, dois anos, depois precisa ir pro exterior. Se não seguir este roteiro, muitos dirão que é fracasso, desperdício e outros termos ainda menos edificantes. Anitta já tem fama nacional consolidada. É artista com trânsito na Globo, nos festivais por aqui – entrou agora para o line up do Rock In Rio, derretendo uma barreira sólida de preconceito da organização do evento. Agora, é hora de jogar noutros gramados.

Para isso, a moça embarca na onda vigente do pop latino. Por este termo, é bom que ressaltemos: é o pop eletrônico engendrado por produtores americanos, dominicanos, mexicanos, portorriquenhos, tendo por base alguma influência de ritmos mais autênticos, como reggaeton, salsa ou cumbia. Neste balaio estilístico, o resultado é sempre semelhante: um som feito para as pistas, com fortíssimo acento eletrônico, vestido de trap, com temática sensual/comportamental. E só. E este idioma está longe de ser privilégio de um ou outro artista, é uma tendência que ganhou o nome de “pop latino”. É neste nicho que Anitta enxerga possibilidade de chegar ao estrelato mundial. Para isso, claro, teve que mergulhar nele.

“KISSES” é seu passaporte carimbado e alardeado pela gravadora como um álbum trilíngue. Proporcionalmente falando, há muito mais de espanhol e inglês contidos aqui do que português, algo que os dois primeiros parágrafos já explicam e alertam: Anitta está se importando mais com o que deseja ter do que com o que já construiu até aqui. Sua música é eminentemente pop, com brasilidade comprovada via funk carioca, origem da menina Larissa, de Honório Gurgel. Claro que Anitta evoluiu artisticamente e aglutinou outras influências, inclusive, o tal pop latino atual, mas o que a torna diferente de similares no mercado é, justamente, o que só ela tem. Em “KISSES”, o que domina é o ritmo mundial, sobrando pouco espaço para essa tal brasilidade que tanto importa. Com um número de produtores que proporcionaria um jogo de casados x solteiros, o álbum apresenta evidente falta de coesão, ainda que as canções sejam todas parecidas em termos de produção.

Há um momento sensacional: “Onda Diferente”, na qual Anitta recebe Snoop Dogg, Ludmilla e Papatinho pra falar de … maconha. Ponto pra ela. E pra produção, porque é uma baita duma canção pop com batida irresistível, cheia de boas sacadas, entre elas a saudação de Dogg, com “Anitta, Anitta, so glad to meet ya, I’m big Snoop Dogg and I’ll be tha feature” e o onipresente corinho de “bateu, fudeu” em vários momentos, além de um “caraca, tô locona”, encerrando. É a melhor do disco, disparada. Depois tem o pop hedonista/humorista de “Bananas”, com auxílio da rapper méxico-americana Becky G e aquele climão sensual que é traço marcante na persona Anitta. Ela sabe disso. Outras músicas são legais: “Get To Know Me” tem parceria com o DJ Alesso e faz bonito como uma versão moderna/eletrônica de R&B noventista, uma influência que Anitta tem e usa muito pouco. O inglês dela é totalmente aceitável e tudo funciona bem por aqui.

Já “Sin Miedo”, “Poquito”, “Rosa” e “Juego” ficam na mesmice de batidas e escolhas de arranjo, sensação que permeia a maioria das faixas do disco. Fechando a conta, um pedido de bênção de relevância, concedida por Caetano Veloso, em forma de “Você Mentiu”, canção acústica, com vocais divididos, na qual um casal discute a relação. Soa como um dos poucos momentos de autenticidade por aqui.

“KISSES” é legal, mas soa muito próximo do que estamos ouvindo de vários artistas que estão na mesma onda de tentar um lugar de honra no exterior. Anitta não cometerá um equívoco semelhante ao disco em inglês de Sandy e JR, por exemplo, mas precisa pensar que não pode – não deve – abrir mão de seu único diferencial em relação a esta galera toda: sua malandragem carioca do suburbão. Se deixar isso de lado, será apenas mais uma na multidão desesperada por atenção.

Em tempo: analiso a música de Anitta, mas é bom lembrar que a cantora lançou dez clipes, um para cada canção, configurando um baita dum investimento para chegar no mercado gringo com pompa e circunstância.

Ouça primeiro: “Onda Diferente”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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