Quarterão com Queijo – Inigualável

 

“Tudo é memória”. Poderia ser uma frase proferida por algum historiador nalgum ponto do século 20, mas é um conceito implícito. Tudo é memória e ponto final. Esta ideia se aplica a tudo, vale para todas as ocasiões e nos acompanha pela vida, até que esta se encerre. Prova de sua aplicabilidade geral é o quanto nos lembramos de fatos que só têm importância para nós mesmos, aparentemente. Uma vez mencionados para outros, vemos que há várias formas de compartilhamento de experiências e nos ocorre o quão entrelaçados estamos, mesmo que sejamos bilhões por aí. Por exemplo – e você vai se decepcionar comigo, provavelmente – veja o Quarterão com Queijo.

Admito, sem chance de erro, que é meu item preferido de junk food. Em todos os tempos temporais e não vai mudar. Troco qualquer hamburguer artesanal com blends neoliberais empreendedores por um Quarterão caprichado, daqueles que vêm com cebola extra involuntária ou com uma fatiazinha de picles a mais. E vou além: quando estou com muita fome, peço a promoção do sanduíche e outro Quarterão, porque, só aí deixo a mesa do McDonald’s saciado. Veja, este não é um texto fit, não pretende ser e nem se enxerga desse jeito, mais que tudo: reconhece que o supramencionado Quarterão também não se pretende assim. A despeito das acusações das carnes da rede americana serem feitas com minhoca e outros mitos ainda mais cabulosos, o fato é que nada do que consumi por lá desde 1980 me deixou passando mal ou algo assim. Pelo contrário, comer no McDonald’s não faz mal a curto prazo. E os outros prazos, bem, prefiro não saber.

Freud explica. Minha mãe costumava me pedir para não comer nada muito gorduroso na cantina do glorioso Colégio Santo Agostinho, lá pela virada dos anos 1970/80. Espantosamente, eu obedecia. Não comia os hamburguers, feitos pelo Seu Dino, nem os mistos-quentes, que tinham aquele aroma sensacional de chapa amanteigada, que guarda as frituras da própria história. Que nada, eu só comia biscoito de polvilho, de camarão, qualquer besteira industrializada, mas não ia nos sandubas. Podem zoar, eu mereço. Pois foi com uma sensação de liberdade típica da Queda da Bastilha que eu adentrei o McDonald’s da rua Hilário de Gouveia, em 1980. Fora convidado para um aniversário e ele seria no então único restaurante da rede no Brasil, recém-inaugurado. Na época, fazer aniversário no McDonald’s era algo chique. Depois passou a fazer parte do inconsciente de uma geração inteira. Não sei porque acabou…

Quando entrei no recinto, não pude acreditar. Fora o sanduíche com peixe, apenas hamburgueres no cardápio. E tinha um de DOIS ANDARES. Mas minha liberdade tinha um preço baixo para os padrões comuns daquele tempo: um cheeseburguer. Simples, aquele pequeno, com carne fina. Era a minha redenção de comer um sanduíche de carne, frito, gorduroso, cavernoso, que jamais pudera desfrutar nos domínios do colégio. As pessoas se surpreenderam com meu pedido, ele era simples demais. Tinha gente comendo Big Mac, Quarterão com Queijo e sem queijo (sim, ele existia no cardápio inicial do McDonald’s) e eu, provavelmente, era o único pré-adolescente da mesa contente e feliz com um cheeseburguer.

Aquele aniversário em 1980 foi o meu debút no McDonald’s. Já existia o Bob’s, inclusive mais perto da minha casa, mas dele eu só queria as saladas de atum e galinha, meus preferidos até hoje. Claro, havia espaço para um Big Bob’s e para o Bob’s Burgão – este, o melhor sanduíche já feito pelo Bob’s em todos os tempos – mas o McDonald’s naquele tempo era como uma Disneylândia alimentar de bolso. A experiência real era de pisar em solo norte-americano, tamanha a distância entre o padrão oferecido ali em relação ao que havia no país até então. Veja, não se trata de cultuar os gringos, quem me conhece sabe muito bem que não sou deste tipo, porém, a sensação era diferente de tudo. E nem se trata de privilegiar o McDonald’s em relação a outras opções, lembrem-se que eu tinha dez anos de idade.

A Copacabana daquele tempo era pródiga em opções. Havia a Suprema, na rua Santa Clara, com suas lasanha pra comer em casa e seus pastéis de queijo; o Bonino’s, um restaurante/casa de chá mais tradicional, famoso por seu waffle com maple. A filial da Confeitaria Colombo na esquina de Nossa Senhora de Copacabana com Barão de Ipenema, há tempos é uma lamentável agência do Banco do Brasil, que vendia vatapá no copinho aos sábados; o Caravelle, que tinha as pizzas mais honestas e gostosas possíveis; a primeira versão da La Trattoria, com suas massas sensacionais; o Braseiro, com churrascos feitos na hora, tudo era meio sensacional e eu acredito que tal favorecimento geográfico me ajudou a ser gordo. Tenho quase certeza.

O fato é que nenhuma destas alternativas tinha a magia dos americanos. E, dentre os itens oferecidos por eles, eu não demorei a descobrir a perfeição do Quarterão com Queijo. Tinha até a história do nome, a da carne pesar um quarto de libra, pouco mais que 113 gramas, o que parecia misterioso e sedutor por si só. E parecia imenso, se comparado com os concorrentes. Além disso, o queijo era diferente de tudo o que havia nas redondezas. Era a entrada do cheddar no cotidiano do brasileiro, antes dele, apenas a muçarela e o queijo prato existiam. Ketchup, mostarda, cebolas, um pão perfeito com gergelim salpicado e … PICLES. Sinceramente, não compreendo a pessoa que não gosta de picles. Como diz Milton Nascimento, sobre sua primeira Coca-Cola ter sido consumida a bordo de um avião da Panair, foi num McDonald’s que provei picles pela primeira vez.

A força do Quarterão se traduz na sua longevidade. Foi criado em 1971 por Al Bernardin, um franqueado da rede nos Estados Unidos, e está no cardápio da rede por aqui desde 1980. A variante sem queijo deixou de existir no meio do caminho, mas o original está vivo e forte. Não descrevo a minha felicidade quando, em viagem ao Império, em 1993, dei de cara com um QUARTERÃO COM QUEIJO DUPLO, num restaurante em Nova York. Minha vontade era eternizar aquele momento e voltar para ele com certa regularidade. Hoje em dia, há opções de duplo, simples e o sanduíche até figura numa promoção às sextas-feiras, quando custa cerca de oito reais. Também há a promoção dos Clássicos, na qual dois sanduíches podem ser comprados por menos de 15 reais. A despeito de Big Mac e Cheddar McMelt figurarem entre as opções, não há chance de escolher nada que não seja dois Quarterões.

Tenho certeza que todos vocês têm suas preferências por alguma comida transgressora e não/saudável. Como diz Arthur Dapieve, que já escreveu um belíssimo texto sobre o sanduíche de atum do Bob’s, a melhor comida é a microbiótica, uma vez que – existencialista que é – ele acredita que não voltaremos em outras vidas. Portanto, se a vida é curta e única, por quê prolongá-la a custa de comer as piores comidas? Entendo a lógica de Arthur, mas prefiro não discutir. Só sei que, da próxima vez que adentrar um McDonald’s, seja onde for, lá estará o Quarterão com Queijo fazendo “psiu” pra mim.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

One thought on “Quarterão com Queijo – Inigualável

  • 9 de abril de 2019 em 22:37
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    me representa e digo mais: abaixo essa panaquice de “não bebo cerveja de milho”. Tem hora que tudo que o sujeito precisa é de um suco de milho gelado na birosca da esquina

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