Comando Para Matar – Carnificina Afetiva
Houve tempo em que eu contava o número de mortes em “Comando Para Matar”. Se não me engano, ultrapassava a casa de 70. A maioria das vítimas abatida pela metralhadora de munição inesgotável, disparada pelo Coronel reformado das Forças Especiais Americanas, John Matrix, personagem vivido por Arnold Schwarzenegger. E por que Matrix faz isso no filme? Porque sua filha pré-adolescente, Jenny, é sequestrada com propósitos escusos. Este é o fiapo de trama que conduz o longa, estrelado por um Schwarza pós-Exterminador do Futuro, pós-Conan, num tempo em que era liberado chacinar geral nas telas. Era o período em que Ronald Reagan ocupava a presidência dos Estados Unidos.
Uma olhada com perspectiva histórica mínima aponta que Matrix e seu pelotão passaram a vida cumprindo missões suspeitas em vários lugares do mundo. Certamente foram vistos no Vietnã e países adjacentes, provavelmente na África, no Oriente Médio, talvez América do Sul, tudo isso nos anos 60/70, a serviço do mais sanguinário imperialismo ianque. Mataram geral, torturaram sem medo, levaram a “liberdade” e a “democracia” por aí afora. Mas isso é coisa que a gente só pensa quando está velho. Quando se tem, por exemplo, 14 anos, idade que eu tinha quando vi o filme no cinema, você só quer ver os vilões sendo detonados. E os vilões aqui são o subordinado de Matrix, Bennett, que tem inveja dele porque não foi promovido. E o ditador centroamericano Arius, que foi deposto de seu país, Valverde, com a ajuda de Matrix e seu grupo. Certamente, Arius era um governante “comunista”, “populista”, que foi “convidado a se retirar” de seu próprio pais. Mas, novamente, isso não vem ao caso.
Matrix vive isolado nas montanhas. Esse pessoal mauzão começa a matar os integrantes do pelotão e o ex-comandante do brutamontes, General Franklin Kirby, vai até ele para avisá-lo que sua vida pode estar em perigo. Deixa dois soldados para fazerem a segurança do local mas, poucos minutos após a partida do militar, a casa de Matrix é atacada, os soldados são abatidos como moscas, sua filha é sequestrada e tudo começa. Em troca da liberdade da menina – vivida por Alyssa Milano, pirralha – Matrix precisa ir até Valverde para depor o presidente que ajudou a colocar no poder. Para isso, é colocado num avião com um capanga com a missão de encontrar com outros conspiradores quando chegar ao país.
Matrix, claro, quebra o pescoço do bandido e salta do avião já no ar, sem paraquedas e inicia sua caçada com um prazo de dez horas, que é o tempo do vôo até o hipotético país centroamericano. Com a ajuda de Cindy, uma aeromoça, a atriz sino-canadense Rae Dawn Chong, famosa na época por estrelar “A Guerra do Fogo” e o clipe de Mick Jagger, “Just Another Night” – Matrix inicia seu périplo até o resgate de sua filha. Até que isso ocorra, ele terá mandado para o necrotério uma quantidade impressionante de gente, a maioria, soldados de Valverde.
Algumas dessas mortes, no entanto, por mais brutais que sejam a olhos “maduros”, são sensacionais. Dois adversários em especial, os ex-fuzileiros Sully e Cook, protagonizam diálogos sensacionais com Schwarza. O primeiro, um baixinho que assedia abertamente a aeromoça Cindy e a chama de “vadia” por não lhe dar bola. Matrix e Cindy perseguem Sully do aeroporto até um shopping-center, cuja equipe de segurança é dizimada em meio à perseguição, que se estende além-shopping, no qual o Triumph vermelho de Cindy bate no Porsche Carrera amarelo de Sully. Matrix ergue Sully pelo pé e o pendura num precipício. E vem o diálogo sensacional:
– Lembra quando eu disse que mataria você por último, Sully? – pergunta Matrix.
– É, é, você disse – responde Sully, de cabeça pra baixo, tornozelo seguro apenas pela
manopla do brutamontes.
– EU MENTI – diz Matrix abrindo a mão e deixando Sully cair no abismo.
Logo após este diálogo shakespeariano, Cindy e Matrix pegam o Porsche amarelo intacto, que, minutos antes, estava todo batido e detonado.
O outro diálogo vem logo em seguida, quando a dupla está atrás de informações sobre o paradeiro de Jenny e vão até o motel em que Sully e Cooke estão hospedados. Lá, aguardam a chegada deste, que é um ex-boina verde. Quando ele chega e a porradaria estanca, Cook dispara o veredito:
– Este boina verde vai acabar com você
E Matrix não se abala:
– EU COMO BOINAS VERDES NO CAFÉ DA MANHÃ.
Claro, o fim de Cook também é trágico, morrendo com estacas de metal perfurando sua caixa torácica. Daí pra frente, temos a antológica ação de Matrix numa loja de armas, na qual ele rouba armamento pesado como se estivesse comprando cuecas e o posterior ataque ao campo de treinamento dos pobres soldados de Valverde, onde estão Arius, Bennett e Jenny.
Lá ocorrerão dezenas de mortes terríveis, não sobrando um único soldado. Arius e Bennett sofrerão mortes mais dolorosas, sendo que o último é abatido após ter um cano de vapor enfiado em seu peito.
“Comando Para Matar” é uma ode à violência, uma barbaridade física e artística mas, sabe-se lá, fomos tão lobotomizados por este tipo de produto da cultura pop americana em tempos de propagação de ideais e ideias, que ele se tornou familiar e querido. Há gafes, erros de continuidade, atuações péssimas, roteiro pífio mas o mistério do gostar segue firme. É um produto típico da primeira fase da carreira de Schwarzenegger, com violência saindo pelos poros. Ele só iniciaria uma mudança em direção a papéis mais normais com “Irmãos Gêmeos”, de 1988, mas os filmes de ação com altos índices de mortalidade permaneceriam, vide “Vingador do Futuro” (1990) e o clássico “Exterminador do Futuro 2”, talvez seu melhor filme até hoje.
“Comando Para Matar” é ruim que dói. Mas eu gosto.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.