Clooney deprê, Mulher Maravilha além da conta

 

 

Dois dos filmes mais badalados neste fim de ano são “O Céu da Meia-Noite” e “MM84”, trazendo George Clooney atuando e dirigindo e Gal Gadot novamente como Diana Prince, a Mulher Maravilha, respectivamente. São dois casos de filmes que ficam um pouco aquém da expectativa e deixam a gente com um gostinho de que talvez tenhamos perdido tempo precioso de vida na frente da tela. Na verdade, esta sensação esteve presente com mais força depois que terminei de ver a aventura oitentista da heroína da DC Comics, dirigida por Patty Jenkins, que também pilotara as ações do primeiro longa, de 2017. Clooney, na pele de um astrofísico deprimido e doente, isolado no Ártico após uma catástrofe global ter destruído a vida na Terra, entrega um filme lento e dramático, que poderia ser mais ágil, mas que não chega a incomodar. Vejamos.

 

“O Céu da Meia-Noite”, você já sabe, foi antecipado aqui há alguns dias como “o grande filme de dezembro”. Bem, não é. Eu estava bem empolgado com os trailers e as leituras iniciais sobre o longa, inspirado no romance homônimo de Lily Brooks-Dalton. Ainda que seja um espetáculo cativante e interessante, algo se perde na tradução do clima de sofrimento e fragilidade que a trama expõe, deixando o espectador com sono em várias passagens lentas e detalhadas demais. Clooney dirige e encarna o astrofísico Augustine, que está no Ártico, isolado num observatório, em meio a uma catástrofe de natureza desconhecida, que torna a Terra um lugar inóspito a ser evitado. Sua última ação se resume a avisar uma nave espacial exploratória, que está retornando de Júpiter, para não pousar no planeta. A bordo, uma tripulação formada por cinco pessoas, lideradas pelo comandante Adewole (David Oyelowo) e pela especialista Sully (Felicity Jones).

 

A luta de Augustine, não só contra o clima duro e os efeitos do acidente que traz consequências definitivas, também é contra a depressão e uma doença que o obriga a fazer transfusões sanguíneas periódicas. Em pouco tempo ele descobre que não está sozinho na instalação, encontrando Iris, uma menina misteriosa, de nove anos, que se comunica com ele através de desenhos. O contraste entre as ações em terra e no espaço, dentro da nave, dá ritmo ao filme, mas a alternância das duas tramas acaba jogando contra, ainda que, lentamente, calmamente, eles vão rumando para um desfecho coerente e belo. A direção de Clooney é segura e busca mostrar as belezas/agruras dos dois ambientes – neve e espaço – algo que ele consegue com certa desenvoltura. Sua atuação também é ok, reencarnando uma versão mais doente e idosa do seu personagem no subestimado “Tomorrowland”. Já o restante do elenco aparece meio subaproveitado, especialmente Felicity Jones, que é uma baita atriz. Damian Bichir, como o tripulante Sanchez, também tem boa presença, mesmo ocorrendo para David Oyelowo, mas a sensação é de que o elenco poderia render mais.

 

“MM84”, antecipado como um dos filmes mais exuberantes de 2020, foi duramente prejudicado pela pandemia, chegando aos cinemas brasileiros neste fim de ano, já tendo sido lançado pelo streaming HBO Max, indisponível em território nacional. Mesmo assim, o longa surgiu via torrent com a mesma rapidez, tornando-se facilmente encontrável por aí. Claro que qualquer pessoa com o mínimo de bom senso deve ter cautela quando se depara com uma produção de Zack Snyder sobre o universo de heróis da DC, mesmo que o primeiro filme da Mulher Maravilha, de 2017, seja a grande exceção em meio aos fracassos das adaptações recentes destes personagens. A volta de Patty Jenkins na direção e de Gal Gadot e Chris Pine, como Diana Prince e Steve Trevor, respectivamente, assegura certa continuidade mas não suficiente para desligar o alerta amarelo. Além deles, os ótimos Pedro Pascal e Kristen Wiig, dão ainda mais segurança mas algo não funciona na trama, o que é frustrante.

 

Diana Prince vive sua vida solitária em 1984, atuando como antropóloga no Smithsonian Museum, em Washington. Quando não está por lá, ela caça bandidos nas ruas e os entrega às autoridades. A década do neoliberalismo e do consumo como meio de condição social faz surgir gente como Max Lord (Pascal), um picareta que aparece em anúncios televisivos, à frente de uma tal Black Gold Corporation, chamando pessoas para investirem em petróleo, garantindo lucro certo. E, além dele, também há Barbara Minerva (Wiig), que também trabalha no museu, mas vive às voltas com uma personalidade retraída e fora dos padrões de beleza e coolzice vigentes. Estes personagens irão se encontrar quando vários artefatos antigos surgem para serem examinados pelo museu a pedido do FBI, entre eles, uma pedra misteriosa. A partir daí, a trama decola com as consequências que logo virão, envolvendo a própria Diana.

 

Tinha tudo para ser um ótimo filme de herói, mas o que se sucede é uma overdose de eventos em série, que vão desde a mudança de personalidade de Lord e Minerva, à volta de Steve Trevor (Pine), uma escalada de situações que vão levar ao acirramento de tensões entre EUA e URSS. Ainda que Pascal roube o filme com facilidade, a atuação de Gal Gadot é simpática, dando à Diana um olhar doce e uma ternura que encantam. Wiig está ótima como Minerva e Pine se esforça para entregar o máximo como um sujeito que morreu no fim da década de 1910, que se vê em plena era do capitalismo selvagem a céu aberto.

 

“MM84” não é um filme ruim, longe disso. Só não é bom como poderia ser. O ritmo é frenético, as cenas são boas, mas um roteiro mais ágil e enxuto daria a concisão que o longa precisa. Mesmo assim, os fãs do primeiro filme irão amar sem restrições. De qualquer forma, ele é muito, mas muito melhor do que bobagens como “Liga da Justiça” ou “Batman vs Superman”, este, sem dúvida, um dos piores filmes já realizados.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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