The Cure – Hyde Park, 2018

 

Ontem, dia 29 de agosto, cinemas da Rede UCI e da Cinemark exibiram em sessão única o concerto de 40 anos do The Cure, realizado no Hyde Park, em 07 de julho do ano passado. A banda de Robert Smith subiu ao palco diante de milhares de pessoas e desfilou uma avalanche de sucessos por cerca de duas horas. Vendo o show no escurinho da sala do UCI do NYCC, pude ver o quanto a banda faz parte da minha vida. Seja como fã de música, seja como jornalista especializado no assunto. A partir disso, desta visão dupla sobre o artista, surgem ponderações interessantes. Senão vejamos.

 

Desta turma de bandas do pós-punk inglês, surgidas no fim dos anos 1970, quem ainda está na ativa, ainda que sem os integrantes originais? The Cure, Echo & The Bunnymen, U2…E qual destas formações tem combustível para lotar um Hyde Park e desfilar umas 30 músicas, com 95% de sucessos de público, vendas e crítica? E qual destas pode se orgulhar de ter um compositor tão talentoso quanto Robert Smith? Pois é, na hora em que vamos afunilando os parâmetros e os filtros, o velho Bob surge como camisa 10, como o cara que pensa o jogo, organiza o meio de campo e, via de regra, surge na área adversária para chutar pras redes. Este é o grande diferencial do The Cure, um líder – que também é exímio guitarrista, vocalista sui generis e compositor de talento inegável – que não se tornou um superstar da mídia ou um falastrão fascistoide. Um líder que ainda parece captar as agruras e as aflições de gente dos 20 aos 60 anos.

 

A filmagem do show do Cure é perfeita, ainda que enxuta. Não há mirabolâncias na edição ou na montagem. O que o espectador vê é um senhor show de rock, algo celebratório mesmo, inesquecível e único. Exceto por uns efeitos especiais discretíssimos numa ou noutra canção, o que temos é Robert Smith derretendo sob o calor do verão londrino em meio a um por do sol anunciado, enquanto vai enfileirando seus sucessos um a um. A generosidade do repertório atiça a memória do fã em busca de possíveis omissões. Elas existem: “Charlotte Sometimes” não está presente. “Catch”. “The Lovecats” e “Doing The Unstuck” também não, mas essas são sucessos menores. E não está uma das mais legais gravações do Cure: “The Blood”, mas essa é favorita pessoal, ainda que tenha tido média rotação e clipe próprio nos idos de 1985.

 

O que temos mesmo é um best of do Cure. Um “Staring At The Sea” super anabolizado e crocante. A abertura climática com “Plainsong” desemboca logo de cara numa sequência avassaladora de “Pictures Of You”, “High” e “A Night Like This”, mostrando que a banda não está ali para brincar. Em seguida vem a neworderiana “The Walk”, com um riff de teclado conhecido até na órbita de Júpiter. E tem “Lovesong”, uma das mais belas canções da banda em todos os tempos, pouco antes de “Push” introduzir “In Between Days”, que foi até tema de abertura do finado Clip Clip, atração de sábado da Globo, pouco antes do Chacrinha. E tome o Cure mais pop com “Just Like Heaven”, que tem uma das mais simples e belas progressões de teclados dos anos 1980.

 

A partir daí, o Cure entra num momento mais pesado e climático, especialmente por “If Only Tonight We Could Sleep”, que mostra que a banda também sempre soube alternar popices com depressão. E bem “Play For Today” antes da clássica “A Forest”, justo para a temperatura voltar a subir com “Shake Dog Shake”, cheia de guitarras – cortesia de Reeves “Tin Machine” Gabrels -, que também ganha destaque em “Fascination Street” e “Never Enough”, esta, devidamente reforçada ao vivo, crescendo e ganhando mais corpo e foco. Depois de outra beleza lado-B – “From The Edge of the Deep Green Sea” – e “Desintegration”, o Cure deixa o palco. O bis, normalmente com duas ou três músicas, é um caso à parte.

 

Que banda pode trazer nove hits para encerrar um show? Pois Bob Smith e sua turma, entre eles, o veterano (desde 1980 na banda) Simon Gallup, no baixo – vão tocando “Lullaby”, “The Caterpillar”, “Friday I’m In Love”, “Close To Me”, “Why Can’t I Be You”, “Boys Don’t Cry”, “Jumping Someone Else’s Train”, “10:15 Saturday Night” e “Killing An Arab” de um fôlego só, passeando por décadas e mostrando que, mesmo através das cortinas do tempo e de seus meandros, sempre houve algo que unisse canções, discos e postura: Robert Smith.

 

Ele é o grande festejado, o grande merecedor de louros. O cara é o grande nome do pós-punk britânico, que soube atravessar o tempo como um artista capaz de manter suas características sem perder de vista as mudanças que vinham através dos anos. É verdade que o Cure – assim como todos os seus conteporâneos – perdeu gás na segunda metade da década de 1990, mas seus discos lançados desde então têm mistérios e propostas muito legais, que perdem em comparação aos grandes sucessos. Quem sabe não é hora de revisitar essa produção recente?

 

Setlist

Plainsong

Pictures of You

High

A Night Like This

The Walk

The End of the World

Lovesong

Push

In Between Days

Just Like Heaven

If Only Tonight We Could Sleep

Play for Today

A Forest

Shake Dog Shake

Burn

Fascination Street

Never Enough

From the Edge of the Deep Green Sea

Disintegration

Bis:

Lullaby

The Caterpillar

Friday I’m in Love

Close to Me

Why Can’t I Be You?

Boys Don’t Cry

Jumping Someone Else’s Train

10:15 Saturday Night

Killing an Arab

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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