Tente resistir a Nana Yamato

 

 

Nana Yamato – Before Sunrise

Gênero: Rock alternativo, lo-fi

Duração: 31 min.
Faixas: 12
Produção: Nana Yamato e Jonathan Schenke
Gravadora: Dull Tools

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

Ela tem 20 anos. Nasceu em Tóquio e, segundo o release de seu primeiro álbum, costumava passar as tardes entre deveres de casa e a exploração de novos sons em meio às prateleiras de uma loja de discos da vizinhança. Isso foi há meros quatro anos. Descobriu sobretudo o rock alternativo americano, as sonoridades pós-pós-pós punks e suas ressignificações e aparências ao longo dessas décadas desde os anos 1980. Em seu quarto, Nana Yamato foi vendo a música suplantar as tarefas da escola a ponto de, em certo momento, deixá-las completamente sem sentido. A menina começou a manusear guitarras, computadores, instrumentos diversos, fazer seus primeiros rabiscos sonoros até chegar nas composições que seriam a base deste seu adorável álbum de estreia, “Before Sunrise”, que foi lançado na última sexta-feira, dia 05 de fevereiro. Este é um daqueles discos que vão te pegando aos poucos. Primeiro você para o que está fazendo para prestar atenção na voz. Depois, lentamente, vai percebendo as sonoridades, os timbres e, sobretudo, a versatilidade. Nana vai oferecendo um passeio por várias variáveis sonoras dentro do que a gente – crítico chato, tentando entender os rótulos – chama de rock alternativo.

 

Tem pra todos os gostos. Aliás, não mencionar o caráter pop do álbum seria imperdoável. Nana oferece doze canções curtinhas, todas com duas características principais: a doçura e o apelo pop. E, bem, há outra: a tristeza. Sua voz aguda parece filtrara por uma janela molhada de chuva e o tempo lá fora é sempre cinzento. Explica-se: este disco é fruto de sua vivência em meio ao lockdown do ano passado, não poderia – nem deveria – ser exuberante e colorido. Mas se engana quem pensa que “Before Sunrise” é só contemplação e introspecção. Ele tem camadas, que vão sendo desbravadas pelo ouvinte mais atento, que vai notando seus charmes e tempos. É um disco de meia hora que exige sua atenção para ser totalmente apreciado. Cada detalhe é admirável, especialmente para uma produção que tem o termo “lo-fi” em sua lista de rótulos.

 

O começo do álbum vem com a adorável “Do You Wanna?” e seu baixo/bateria soando como se fosse uma demo gravada em 1981. É tudo intencional porque o contraste desse som com a voz processada da cantora, guitarras e teclados, dá a certeza da complexidade e da intencionalidade. Nana toca todos os instrumentos do disco e isso é ainda mais importante quando chega a segunda faixa, “If”, que já tem um instrumental um tanto mais convencional. Baixo, bateria, guitarra, teclados e as vozes dobradas. A melodia é bela, os vocais parecem vir de várias direções e várias pessoas, mas é só a voz da menina, devidamente processada. “Burning Desire” tem timbres de metais em meio ao instrumental roqueiro, adicionando um clima estranho e, novamente, a voz é o grande instrumento em que a gente presta atenção.

 

As canções são majoritariamente em inglês. Uma das exceções é a lindíssima “Gaito” (“lado de fora”, em japonês), que, sim, pisa fundo na melancolia, com teclados minimalistas e um bom uso de guitarras. É uma canção shoegaze sem ser. Entende? “Fantasy” que poderia ser de alguma banda noventista como Veruca Salt, Breeders, Belly ou qualquer outra dessas, só que envolta numa névoa de chuva evaporada e selfies tiradas em meio à penumbra. É atualização de formato, ressignificação, coisas assim, mas a origem/influência é assumida com orgulho. A faixa-título é elegante, melódica e triste como aquele dia em que a gente percebe o fim definitivo de algo. “Voyage Et Merci” é cantada em francês, o que dá uma novíssima dimensão ao todo, lembrando algo que poderia ser de Laetitia Sadier, caso esta fosse uma pós-adolescente. “Under The Cherry Moon” é lindeza lo-fi clássica, com a voz de Nana soando bem mais grave que nas outras canções, o que dá uma beleza estranha e inesperada para quem, nesta altura, já estava esperando o registro agudo. O fecho, com “The Day Song”, é outro exemplo de canção com revestimento quase amador, uma impressão que vai sendo desmanchada pelo belo uso das guitarras, que assumem a função de argamassa sonora na parede de efeitos que acompanha toda a canção.

 

Quando terminamos de ouvir o álbum, é quase impossível que passaram-se meros 31 minutos. Ou pensamos que tudo foi rápido demais ou que, em momentos especiais, a intensidade de algumas canções duraram horas. E Nana só tem 20 anos, gente, e este é o seu disco de estreia.

 

Ouça sem se apaixonar, vai. Quero ver.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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