Quarto disco solo do vocalista do Supergrass encerra trilogia sobre a vida adulta

 

 

 

 

Gaz Coombes – Turn The Car Around
38′, 9 faixas
(Virgin)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

O Supergrass era uma banda da qual todo mundo gostava. Ou, melhor dizendo, todo mundo legal gostava. Um quarteto endiabrado, que surgiu para o sucesso em 1995, com o álbum “I Should Coco” e com o antológico clipe/canção “Alright”, no qual os sujeitos – Coombes, seu irmão Rob, Mick Quinn e Danny Goffey – desciam um barranco numa … cama. Quis o destino e a nossa situação geográfica-midiática que a imagem da banda na nossa memória fosse essa, mas o Supergrass foi muito além de lançou ótimos álbuns, meio glam, meio britpop, meio Bowie, até encerrar atividades em 2008, com o ótimo “Diamond Hoo Ha”. Gaz Coombes não demorou muito tempo e já surgiu com “Here Comes The Bombs”, sua estreia solo, em 2012. Sendo assim, em onze anos, ele chega ao quarto álbum, com este impressionante “Turn The Car Around”.

 

Gravado em casa, em Oxfordshire, e em meio às idas e vindas da pandemia, este trabalho dá continuidade aos outros dois discos anteriores – “Matador” (2015) e o sensacional “World’s Strongest Man” (2018), cuja faixa “Wounded Egos” foi uma das preferidas da gente na listagem de melhores daquele ano). Gaz confirmou esse fio condutor em entrevistas recentes, dizendo que seus trabalhos solos são oportunidades para refletir sobre a vida moderna em vários aspectos, procurando lidar com diferentes focos de perspectiva. Geralmente o amor e as responsabilidades da vida norteiam as letras que ele escreve, mas, aos quase 47 anos, pai de duas filhas, Gareth Michael Coombes se mostra um sujeito bastante zeloso com sua condição privilegiada de pai e marido, podendo testemunhar a vida que se ergue ao seu redor. É engraçado ver a diferença entre esta fase e o reflexo dela nos discos recentes e o contraste com o Supergrass, especialmente agora, que a banda passou os últimos dois anos e meio em shows de reunião.

 

O Gaz de “Turn The Car Around” é o tipo de cara que faz música e letra sobre o dia em que conheceu sua esposa, caso da linda “Don’t Say It’s Over”, um baladão elegante e aveludado, totalmente glam e setentista, no qual ele, simplesmente conclui que a vida será melhor com aquela pessoa por perto. Parece pouco e óbvio, mas há vezes em que não conseguimos distanciamento para perceber o que nos é mais elementar. A canção é a prova do foco apurado que o compositor Gaz tem . Em outro momento, ele fala da filha mais velha, Tiger, em “Long Live The Strange”, por conta da ida dos dois ao show do cantor Cavetown, e de como a plateia e o artista se amalgamaram em um. O “strange” fica por conta da obra do próprio Cavetown, um pop lo-fi de voz e violão, com títulos como “Worm Food”, “Kill U”, “Frog” e por aí vai, espécie de sensação entre os adolescentes ingleses, com mais de sete milhões de ouvintes mensais no Spotify.

 

O disco ainda tem outros ótimos momentos. “Feel Loop” (Lizard Dream)”, por exemplo, é uma espécie de trip hop de guitarras, com produção intencionalmente voltada para a impressão dos poucos recursos. Funciona maravilhosamente bem. “Overnight Trains”, que abre o álbum, é melancólica como o título sugere, começando ao piano e evoluindo para a intervenção de guitarras e vocais de apoio à medida que chega ao fim. A faixa-título é uma espécie de pós-britpop, com as mesmas dinâmicas de violão, guitarra e melodia dos rocks noventistas que gente como Travis costumava fazer. A esquisitice fofa de “This Love” e a pujança ficcional de “Sonny The Strong” (sobre um boxeador fictício) levam até “Dance On”, uma canção em midtempo, calcada em violões, que lembra algo que David Bowie poderia ter escrito em discos como “The Man Who Sold The World” ou “Hunky Dory”.

 

Gaz Coombes é muito mais que o ex-vocalista do Supergrass, pessoal. O homem cresceu, colocou suas visões e angústias em primeiro plano e construiu uma bela carreira como artista solo. Bravo.

 

 

Ouça primeiro: “Overnight Trains”, “Don’t Say It’s Over”, “Long Live The Strange”, “Dance On”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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