Slash – o desconhecido da geração Z

 

 

Em primeiro lugar, é bom que eu diga: não gosto de Guns’n’Roses. Não gosto dos discos, do vocalista, Axl Rose, do som, da postura, de nada. Pra não ser tão taxativo assim, eu gosto de um disco solo do ex-guitarrista da banda, Izzy Stradlin, lançado lá no início dos anos 1990. Ah, e também gosto daquela canção “You Could Be Mine”, por motivos de ter feito parte da trilha sonora de “O Exterminador do Futuro 2”. E só. Como vocês podem adivinhar, também não reconheço em Slash o guitar hero que muita gente reconhece. Ou melhor, reconhecia, sei lá. Eu, que pensava ser o músico inglês, criado em Los Angeles, uma dessas unanimidades atemporais, me deparei com a matéria do site da Revista Quem, na qual, após a apresentação da canção “I’m Ken”, indicada ao Oscar de Melhor Canção, interpretada pelo ator Ryan Gosling, com participação de Slash. A tal matéria, assinada por Bia Rohen, faz uma pequena e sucinta apresentação do guitarrista, alegando que “após a apresentação do Oscar, a web se movimentou para saber quem era Slash”.

 

Não é porque não gosto do trabalho do sujeito e de sua banda que deixo de reconhecer a importância e a projeção mundial deles. O Guns já vendeu mais de 100 milhões de discos, ganhou várias prêmios, participou de vários eventos ao longo dos últimos, sei lá, quase quarenta anos (a estreia do grupo, “Appetite For Destruction”, é de 1987). Além disso, o próprio Slash foi incluído em rankings de melhores guitarristas em diferentes publicações especializadas, das mais conhecidas às menos importantes. E, para não dizerem que estamos parados no tempo, a banda americana tem quase trinta milhões de ouvintes no Spotify. Nada disso foi suficiente para evitar que ele tenha sido biografado/traduzido para um público consumidor atuante, imagino eu, formado por pessoas mais jovens, que integram essa tal “geração Z”, nascidas entre meados dos anos 1990 e o ano de 2010. Ou seja, gente que está vivenciando a adolescência num mundo em que não se projeta o futuro, não se reconhece o passado e que apresenta um eterno presente turbinado por distrações eletrônicas, que não só distraem, como balizam relacionamentos, aprendizado, vivências e tudo mais.

 

Mas, pergunto eu: o que podemos aprender com isso? Porque, sinceramente, precisamos. Ao contrário do que pode parecer, não escrevo esse texto para ressaltar a importância do Slash, mas para perguntar: quando o pessoal que está na casa dos trinta, quarenta, cinquenta, nasceu, que tipo de informação lhes chegava? Será que não estamos nos conformando totalmente com esta alienação de informações e conhecimentos por parte da geração mais nova para lavarmos nossas mãos e nos eximirmos da tarefa imensa que é, bem, informá-la e, a partir daí, oferecer conhecimento? Porque, bem, é a geração que vai para as escolas e cujos pais não se preocupam com o papel do professor e da escola, cobrando deles educação e não, justamente, a oferta do conhecimento. Se pensarmos no Brasil como o terreno de análise dessa matéria, uma vez que a matéria se destinava aos leitores daqui, a situação se complica ainda mais por conta das sucessivas falhas na educação pública, de qualidade e de ampla atuação ao longo dos últimos trinta anos.

 

Alguém poderá ponderar sobre a necessidade de fazermos essa reflexão. Alguém dirá – e disseram – que isso é “coisa da terceira idade” ou semelhantes burrices. Não se trata disso, mas de refletir sobre o processo que coordena passagem de tempo e transmissão de informações, porque ele é o que alimenta e gera o conhecimento. Certo que ninguém precisa saber quem é Slash, Ryan Gosling ou demais personalidades que surgem num evento transmitido para mais de um bilhão de pessoas? Será que os mais jovens sabem quem é Donald Trump, Madonna? Até quando será presumível achar que muita gente conhece, sei lá, Kim Kardashian ou Beyoncé? E, como os mais jovens passarão a saber de algo? Se nós só podemos formar gostos, personalidades e vivências a partir do que sabemos que existe, ninguém fica preocupado com o absoluto desperdício de conhecimento? Será que ninguém acha inquietante que tanta gente viva num gap de, sei lá, dois, três anos? E que, a partir daí, nada mais exista, nem passado, nem futuro?

 

Porque não saber sobre o Slash ou, sei lá, o Will Smith, não é absolutamente necessário mas é, digamos, desejável.

 

Lembrem-se: não se passa impunemente por tantos ataques à educação pública, ampla e abrangente. Por enquanto, a matéria da Quem pode soar como uma chacota, mas é do desconhecimento, da falta de noção, da falta de informação que nasce a burrice e não se livra dela com a maturidade, pelo contrário.

 

A burrice, essa é atemporal.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

2 thoughts on “Slash – o desconhecido da geração Z

  • 12 de março de 2024 em 11:10
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    Quando vi sua chamada no Facebook sobre a tal reportagem. Não encarei como chacota. É lamentável.
    Appetite for Destruction é imprescindível para, inclusive, se chegar ao Nevermind. Ou voltar ao Eddie Van Halen.
    Parabéns pelo execelente texto.
    Em tempo, Ryan Gosling em pink cintilante foi a única coisa legal naquela festa cada vez mais brega

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    • 14 de março de 2024 em 06:55
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      Eu não me conformo com o esquecimento. Acho que esse é um traço temerário da sociedade, celeiro para um monte de absurdos que vemos por aí.

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