Ride Está Entre Nós
Em algum ponto da década de 1990, eu descobri o Ride. Acho que foi na mesma época que conheci Teenage Fanclub e Boo Radleys. Devo isso à uma loja que já encerrou suas atividades há tempos, a Video Game Center. Em breve escreverei um texto-memória sobre como a ação da VGC, que ficava numa galeria na Tijuca, bairro da Zona Norte do Rio, me ajudou a conhecer um monte de bandas e artistas legais. Este era um tempo pré-internet banda larga, ou seja, era um acesso para poucos, demorado, insuficiente e que ainda era algo acessório em nossas vidas. A fonte de informação sobre bandas novas vinha da interação entre MTV e revista Bizz. E esta última já falara sobre a importância do Ride em suas páginas.
Surgido em Oxford em meio ao shoegaze do início dos anos 1990, o grupo contava com Andy Bell, Mark Gardner, Loz Colbert e Steve Queralt, e teve importância crucial na formação do que se entendeu como guitar rock, um rótulo meio abstrato demais, mas que significava, basicamente, “música de guitarras saturadas, psicodélica mas sem perder de vista a noção do pop”. Parece fácil mas não é. Lembro-me então de ver numa madrugada na MTV, o clipe de “Twisterella”, canção do segundo disco dos caras, “Going Blank Again”, de 1992. Aquilo não era Oasis, muito pelo contrário. Era uma sonoridade mais elaborada, de fruição mais complexa, ainda que tivesse um inegável apelo pop cantante. Claro, fui correndo à VGC e lá encontrei o terceiro disco, “Carnival Of Light”, lançado em 1994. Segundo as páginas da Bizz, o Ride desta época já era uma banda sem muito a oferecer, mas é claro que os sujeitos estavam exercendo seu papel implicante. A música que saia das caixas de som era límpida, cristalina, climática, e vinha num crescendo, desde os primeiros acordes de “Moonlight Medicine” e avançava pela doçura guitarrística da minha preferida, “1000 Miles” .
Mesmo achando o Ride mais interessante que os britpoppers que dominaram a cena logo em seguida, acabei deixando a banda em segundo plano. Não me surpreendi quando vi que os sujeitos haviam encerrado suas atividades e que, mais adiante, Bell havia formado outra banda, o Hurricane #1, cujo disco eu ficava torcendo para surgir facinho pra audição em algum lugar, mas, nem na VGC – àquela época também decadente no quesito “música” – ele aparecia. Pouco tempo depois, lá pro fim da década, o Oasis promoveu uma “reengenharia de pessoal” e o mesmo Bell foi integrado ao grupo dos irmãos Gallagher, tocando baixo, em vez da guitarra que empunhava no Ride. Com eles Bell ficou até o fim das atividades do Oasis, em meados dos anos 00.
Sendo assim, a não ser pela presença da coletânea “OX4” e pela versão estendida de “Nowhere”, o primeiríssimo disco, de 1990, o Ride havia ficado lá, nos anos 1990 e na caixinha de memória da VGC. Até que, em 2017, veio “Weather Diaries”, um disco de inéditas, mais de 20 anos após o último lançamento da banda, “Tarantula”, de 1996.E mais surpreendente ainda foi saber que o quarteto original havia retornado para gravar o álbum e voltar aos palcos. Agora, pela primeira vez por aqui, o Ride vem tocar ao vivo, a bordo do Balaclava Fest, amanhã, em São Paulo.
Não por coincidência, Bell e seus amigos anunciaram nesta semana uma música nova, a ótima “Future Love”, que puxa o novo álbum de inéditas, a ser lançado no meio do ano, cujo título é “This Is Not A Safe Place”. Não é sonhar muito achar que os sujeitos tocarão a nova canção em primeira mão, mas o povo presente ao Audio Club, certamente espera um bailão da terceira idade indie, algo que o transporte de volta para este tempo tão próximo e tão distante. Que refaça suas pontes com versões mais ingênuas e esperançosas de si próprios e que, por fim, os conduza de volta a 2019, em segurança. Música serve pra isso, não?
Ride é uma dessas bandas fadadas a fazer menos sucesso do que deveria. Seja por timing errado, seja por incompreensão do grande público. Porém, a estas formações está reservado um lugar tão afetuoso no coração dos fãs, que, penso eu, a compensação é total.
Que seja um ótimo show.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.