Versão musical de “A Cor Púrpura” decepciona

 

 

Estamos diante de uma tendência em Hollywood: as adaptações cinematográficas baseadas em musicais que são baseados em livros, peças de teatro, ou outros filmes. Na verdade, para descrever melhor, seria um novo capítulo numa tendência de regravações, revivals e reboots já corriqueira na lista anual de lançamentos comerciais americanos. Virou até piada na premiação do Globo de Ouro desse ano.

 

A Cor Púrpura, nesse sentido, é o longa mais recente que entra para essa seara, depois de Meninas Malvadas e Wonka pavimentarem o caminho. É também a mais nova versão numa linhagem de produções inspiradas no livro de mesmo nome da escrita norte-americana Alice Walker.

 

Sua história é vencedora de um Pulitzer pioneiro – foi o primeiro da categoria de ficção dado a uma escritora negra – e acompanha a protagonista Celie num processo de conquista da sua independência e do seu valor. No meio disso, por sua vez, temos uma história sobre a História. É nas fazendas e campos do sul rural dos Estados Unidos entre as décadas de 1900 e 1940, que Alice Walker abre uma janela em sua ficção para traduzir um passado real que se manifesta no nosso presente e é marcado pela segregação racial e de gênero.

 

Devemos admitir que esse é um material melindroso de se adaptar. Trata-se não só de um romance epistolar – ou seja, se desenrola através de cartas e fundamenta sua força na perspectiva em primeira pessoa – mas também de uma narrativa complexa, repleta de eventos traumáticos e trágicos. É fácil cair na armadilha de ingenuidades, excessos e pacificação. E esse é o caso da versão de 2023 de A Cor Púrpura.

 

Não leve a mal, a adaptação de Spielberg também sofre de mazelas parecidas. A diferença é que sua experiência e intimidade com a linguagem do cinema trouxe para sua versão planos memoráveis e caprichosos e um controle consistente do tom dramático da narrativa. Já o projeto do músico e diretor ganense Blitz Bazawule aposta numa execução essencialmente teatral e esquece que está fazendo cinema, acima de tudo. O resultado é um filme meramente funcional, com truques de edição clichês e cortes afobados, impossibilitando que apreciemos o seu diferencial: o trabalho vigoroso dos dançarinos e da coreógrafa Fatima Robinson.

 

Além disso, enquanto no filme de Spielberg a trilha épica de Quincy Jones soa, em muitos momentos, desconectada com os acontecimentos brutais e violentos da trama, no filme de Blitz, as canções se tornam repetitivas ao invés de complementares, desperdiçando a oportunidade de aprofundar os sentimentos e desejos latentes de Celie.

 

Faltou um toque mais delicado e menos expositivo e extravagante nesse enredo que discute a necessidade do cuidado e revela uma mulher negra e pobre, que é continuamente violentada, insultada e enganada, em busca da sua voz e de uma oportunidade de desfrutar das belezas do mundo que a foram privadas.

 

Por outro lado, quem garante o vigor do filme, sem dúvidas, é seu elenco. Todos parecem apaixonados e dedicados a dar novos ares aos personagens de Alice Walker, desde Halle Bailey – representando Nettie, irmã de Celie – até Colman Domingo – como o marido abusivo de Celie, Mister – e Taraji P. Henson – deslumbrante como a cantora de jazz, Shug Avery.

 

Danielle Brooks, por sua vez, é quem toma os holofotes para si. Indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante desse ano por interpretar Sofia, Brooks está vibrante no papel, deixando até a atuação de Oprah Winfrey – quem interpretou a personagem na versão de 1985, e também foi indicada ao Oscar na época – ofuscada em retrospecto. Já Fantasia Barrino, nossa Celie, apresenta uma faceta mais expressiva à protagonista, diferente da mais comedida e melancólica (e, por isso, até mais potente) representada por Whoopi Goldberg – que, aliás, faz uma aparição especial nessa nova adaptação.

 

Um poderia defender que a visão de Blitz Bazawule, do roteirista Marcus Gadley e, de certa forma, da produção (que conta com Spielberg, Oprah e Quincy Jones no rol de produtores) foi alavancar um olhar mais colorido e espirituoso para a vida sufocante de Celie. Uma tentativa de equilibrar os aspectos incômodos e brutais com a esperança e o elogio à superação presentes nas músicas, essa tensão que está no cerne do texto de Alice Walker. Essa decisão, porém, demonstra-se apenas isso: um esforço, não se concretiza. Reencarnar dessa maneira, na verdade, reduziu em grande parte o impacto emocional da trama.

 

E em todas elas chega o momento em que Celie se torna sua melhor versão. Apenas faltam adaptações que trilhem um caminho consistente para que ela consiga de fato vivê-la.

Luiza Zauza

Luiza Zauza é graduanda em Jornalismo. Sempre em busca de encaixar sua devoção por Jorge Ben Jor e Tim Maia em alguma conversa. Aliás, já que estamos aqui: Leia o Livro Universo em Desencanto.

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