Por quê as pessoas não perdem o Fantástico?

 

 

O Fantástico, programa dominical noturno da Globo, está no ar desde 5 de agosto de 1973, segundo a Wikipedia. Foi criado por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, mais conhecido como Boni, e trazia gente interessante como Armando Nogueira, Borjalo e Ronaldo Bôscoli entre seus colaboradores originais. Eu, com quase 50 anos, nasci e vivi numa família de classe média carioca, logo, era impossível não ver o programa. Era interessante, tinha musicais, os gols da rodada, uma bailarina linda, chamada Heloísa Millet, a zebrinha da loteria esportiva e servia como um fidedigno portfólio das coisas importantes que aconteciam naquele Brasil da ditadura militar. Mais tarde, já nos anos 1980, eu via esporadicamente, muito para poder conferir o onanístico quadro Garota do Fantástico, no qual beldades apareciam nas praias cariocas usando mínimos biquinis fio-dental, asa-delta ou algo no gênero. Era a época da abertura com a Isadora Ribeiro saindo de um lago, com uns adereços estranhos.

 

Há mais de dez anos eu não vejo o programa. Foi na fase Zeca Camargo que eu deixei de acompanhar, mesmo com atrativos involuntários, como a vez em que o apresentador foi pego bocejando diante das câmeras, num dos momentos mais sensacionais da TV nacional. Na verdade, há mais de dez anos eu só vejo a emissora por conta de um jogo do Flamengo que eu não consiga ver em outro lugar. Seus canais por assinatura também ficaram absolutamente desinteressantes para mim, sendo o GNT o único que ainda pode me atrair por conta de algum programa de culinária. De resto, posso afirmar que não vejo a programação elaborada pelo Grupo Globo. A cada contratação que é feita, lamento. Recentemente Everaldo Marques e Paulo Vinícius Coelho, tiveram seus passes comprados pela emissora carioca. Significa que não os verei mais, só em casos extremos. Torço para que o Rômulo Mendonça, meu narrador preferido da atualidade, não saia da ESPN Brasil por um bom tempo, mas acho pouco provável. Mas, bem, voltando ao Fantástico…

 

Por conta da recente polêmica com o Dr. Drauzio Varela, tivemos, mais uma vez, a noção de quanta gente vê o programa. Praticamente todo mundo que você conhece bate ponto em frente à TV na noite de domingo, olhando para as reportagens usuais. Alguma denúncia de corrupção, algum balancete sobre doença/natureza/paraíso perdido/conquista da ciência, alguma análise tendenciosa sobre política e economia, propaganda americana assumida e/ou disfarçada e jornalistas que ganham status de celebridades sem merecer. Claro, nem sempre foi assim, mas o mundo pós-2013 me levou os últimos pingos de inocência, logo, não consigo mais conceber a possibilidade de perder tempo diante da programação da emissora. O Fantástico tem este tom de que “diz a verdade”, que “faz a denúncia”, algo que é, nada mais, nada menos, o uso do poder de convencimento da Globo diante da população, sem questionamentos. Nos tempos do governo Dilma, tivemos exata noção deste poder, exercitado, não só no Fantástico, como no Jornal Nacional, de forma diuturna.

 

Sei que esta visão norteada por princípios pode parecer ingênua em pleno 2020. Afinal de contas, vivemos na era da obtenção máxima de vantagens individuais a qualquer custo. Logo, seria um tiro no pé deixar de “estar informado” por conta de não ver o programa num universo em que todo mundo vê. Pois bem, eu não me importo. Assim como agradeço a mim mesmo por perder outras atrações incrivelmente vistas como Faustão, Ana Maria Braga e a Fátima Bernardes, que, não só são assistidas com atenção, como servem, veja você, de medidores de relevância, na base do “olha, fulano foi na Fátima Bernardes” ou “caramba, o Faustão falou dez segundos de um tema xyz”. Sério, gente, parem.

 

O problema do Brasil é que a Globo, por exclusão, se tornou a única emissora da velha TV aberta a ter uma programação minimamente concebível. Uma olhada nas concorrentes Record e SBT faz o velho detetive Kojak ficar de cabelos em pé: é uma sucessão de programas inacreditáveis, que vão desde a máxima picaretagem de jogos e pegadinhas, passando por informativos jornalísticos que parecem feitos por alunos do primeiro período de Comunicação Social, para chegar em novelas bíblicas, turcas, mexicanas, fechando com seres como Ratinho e Celso Portiolli, agora que o Gugu Liberato, alçado à condição de santo pela opinião pública, partiu dessa pra melhor. Isso sem falar no Luciano Huck, que merecerá, um dia, um texto só seu por aqui.

 

Em tempos de Internet e mil aplicativos, plataformas, veículos e mídias alternativas, não dá pra falar em modernidade enquanto as pessoas seguem se informando pelo mesmo modelo viciado dos anos 1970/80. Enquanto isso perdurar, o brasileiro seguirá quatro décadas atrás em vários sentidos da existência. Não é exagero, pode acreditar. Desligue o Fantástico. Você consegue.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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