Luke Haines e Peter Buck – Beat Poetry For Survivalists
Gênero: Rock alternativo
Duração: 39 min.
Faixas: 10
Produção: Luke Haines e Peter Buck
Gravadora: Cherry Red
Você conhece estes dois? Luke Haines, inglês, fez parte de uma banda bacana chamada The Auteurs, depois gravou como Black Box Recorder e, já há bastante tempo, tem uma respeitável carreira solo, na qual exercita seu rock inglês absolutamente fissurado por Velvet Underground, Lou Reed solo e quetais. Luke é tão fascinado por Lou que lançou um disco chamado “New York In The Seventies” com ele na capa, além de pintar e vender gravuras do compositor e cantor novaiorquino. Peter Buck é aquele mesmo, guitarrista do REM e dono de uma coleção de discos emblemática. Parceiro de várias pessoas, gosta mesmo de estar em estúdio, colaborando. Esta parceria improvável nasceu quando Peter comprou uma gravura de Lou Reed feita por Haines via Internet. E dela surgiu este estranho e ótimo “Beat Poetry For Survivalists”.
Aviso logo de cara: é um disco estranho mas sua audição compensa totalmente a empreitada. Musicalmente ele é adoravelmente mal resolvido, tem timbres de guitarra aqui e ali, bateria eletrônica, bateria humana – a cargo de Linda Pitmon – e teclados, baixo e tudo mais, por conta de Scott McCaughey, velho companheiro de Buck em projetos deste os anos finais do próprio REM. Com essa estrutura, Haines assume o protagonismo como cantor e letrista, oferecendo ao ouvinte uma psicodélica e bem informada crônica da modernidade ocidental. Talvez ele nem queira ter feito tal declaração, talvez todas as letras sejam fruto de viagens de diferentes calibres e destinos, mas o resultado é este: uma polaroide destes últimos anos, caótica e cinzenta.
Musicalmente há alguns ecos de timbres de “Monster” e “Up”, discos do REM noventista, que só serão notados por fãs tenazes. As letras de Haines contemplam temas que vão dos roqueiros franceses – em French Man Glam Gang -, a familiar mitologia novaiorquina da contracultura – “Andy Warhol Was Not Kind” – o próprio apocalipse – “Apocalypse Beach” e por aí vai. Os arranjos não privilegiam a facilidade auditiva, não há pop por aqui, ao contrário. O que temos é um rock envenenado, obsessivo e subterrâneo, o mesmo do qual se alimentaram o próprio Lou Reed e o REM fase “Monster”, mencionado acima. Além das referências mencionadas, há espaço para o surrealismo como na própria “Apocalypse Beach”, que fala de uma rádio que só toca canções do trovador escocês Donovan – cujo sobrenome é Leech, para aproveitar a rima – mostrando um cenário desolador, mas também irônico e engraçado.
A tal modernidade vem com estes temas, mas vai além com referências ao ditador do Cambodja nos anos 1970, Pol Pot; ao cientista de foguetes Jack Parsons, que ganhou uma homônima faixa de abertura; ao pessimismo e opressão cotidianos – “Last Of Legendary Bigfoot Hunters” e “Ugly Dude Blues” -, contos de personagens criados – “Bobby’s Wild Years” – e a faixa-título, que conjura as intenções do álbum e assume um propósito nobre em meio a dez canções sujas, feias e malcheirosas. Tudo intencional.
“Beat Poetry For The Survivalists” é um disco que pode ajudar a compreender o mundo ou, talvez seja essa sua intenção, fazer descarrilar completamente a sua percepção das coisas. Vai depender de você.
Ouça primeiro: “Apocalypse Beach”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.