Liniker sobe de prateira em novo álbum

 

 

 

 

Liniker – Caju
69′, 14 faixas
(Liniker)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

“Caju”, segundo álbum da cantora e compositora paulista Liniker, chegou causando nas plataformas digitais. Em apenas 24 horas, já contava com mais de seis milhões de streamings e, três dias depois, já ultrapassava a marca dos dez mihões, colocando quatro canções no Top 200 do Spotify e assumindo o primeiro lugar em álbuns comprados no iTunes no Brasil. É o reconhecimento dado a um trabalho que mostra várias qualidades, algumas delas, deixadas de lado há muito tempo por conta da “tendência” do mercado. Liniker, cantora com voz marcante, militante e atuante em várias causas de defesa LGBTQIA+, já havia insinuado seu talento desde o tempo em que se apresentava com a banda Caramelows. Quando lançou o primeiro álbum solo, “Indigo Borboleta Anil”, ficou evidente que a carreira solo era o meio mais abrangente para que ela desse vazão à torrente de informações e sentimentos que norteiam e, mais que isso, definem sua música. “Caju” é, mais do que tudo, uma mensagem claramente transmitida e ela tem a ver com a busca por respeito, amor e reconhecimento como se é por uma sociedade cada vez menos tolerante.

 

A tal “qualidade que foi deixada de lado pelo mercado” mencionada acima é não ter qualquer limite por conta da duração das canções. Num tempo em que se produz faixas com menos de dois minutos visando a execução rápida no tiktok ou outro aplicativo instantâneo, Liniker não tem medo de ultrapassar a marca dos sete minutos em três canções de “Caju”, nem de ficar abaixo da marca dos quatro minutos em seis das quatorze faixas do álbum. Ou seja, “Caju” dura mais de uma hora e exige sua atenção por todo esse tempo. As letras são narrativas, evocativas, com princípio, meio e fim, obrigando o ouvinte a prestar atenção no que é dito. A esta outra qualidade meio deixada de lado hoje em dia, ela soma várias molduras musicais pra lá de competentes, construídas junto com os músicos e produtores Gustavo Ruiz e Fejuca, o que resulta num raro álbum nacional recente em que a gente pode prestar atenção – e encontrar méritos – na produção e na escolha dos timbres e detalhes. O que se ouve é uma mistura de blues, r&b, samba, funk e até soul nacional dos anos 1970, que serve a várias narrações verdadeiras sobre a vida. E, no caso de uma mulher trans negra, que vive da arte, num país como o Brasil, não é nada fácil.

 

A superação desses obstáculos é o grande trunfo do álbum. “Caju” é um canto de vitória conquistada a duras penas. Liniker declarou em entrevistas de divulgação do álbum que deve muito do que é às sessões de terapia e ao abraço ao candomblé, dois marcos na construção de sua identidade, junto com a música. Com o que é dito e feito por aqui, notamos que há força de sobra nesta busca. Além da belezura sonora e das boas canções. Outro aspecto bacana do álbum é a quantidade de colaboradores, algo que ajuda a dar a impressão multifacetada que “Caju” ostenta. Ao longo das canções surgem a dupla Anavitória, o pianista pernambucano Amaro Freitas, as cantoras Melly e Priscila Senna, Lulu Santos, Pabllo Vittar, Tropkillaz e BaianaSystem. Essas participações rendem em intensidades diferentes e algumas ficam aquém do que poderíamos esperar. Mesmo assim, todas contribuem para fazer de “Caju” aquele disco “grande”, com um toque de megalomania que todo artista deveria ter na hora de lançar um álbum que considera tão importante.

 

Essa diversidade mescla vários estilos e a inserção do samba é algo que Liniker já havia feito anteriormente. “Febre”, que foi originalmente gravada por Thiaguinho, é bem produzida e tem letra derramada. A presença de Lulu Santos e Pabllo Vittar levam “Deixa Estar” para uma pista de dança em 1979, com mais de cinco minutos de ótimas guitarras e linhas de baixo. A colaboração com Tropkillaz, “So Special”, traz letra em inglês e se alinha ao que há de mais moderno na produção da música dançante mundial, com generosas inserções eletrônicas e climáticas. Com BaianaSystem Liniker assina “Negona Dos Olhos Terríveis” e mistura samba, samba-reggae e eletrônica, com um resultado bom, mas que poderia ser mais pesado e forte. Com Anavitória e Amaro Reis, a balada blues intensa “Ao Teu Lado” surge como uma das grandes canções do álbum, junto com “Me Ajude a Salvar os Domingos”, a faixa-título e “Tudo”, feita sobre um romance curtíssimo em Dublin, na Irlanda.

 

“Caju” é disco que muda status de artista. Tem potencial para agradar aos fãs da cantora bem como encantar aqueles que nunca ouviram falar de Liniker. Tem sentimento, bom gosto, conceito e força. Um dos pontos altos de 2024 no Brasil.

 

 

Ouça primeiro: “Deixa Estar”, “Me Ajude a Salvar os Domingos”, “Ao Teu Lado”, “Tudo”, “Caju”.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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