Pixies – Beneath The Eyrie

Gênero: Rock alternativo
Duração: 38 minutos
Faixas: 12
Produção: Tom Dagelty
Gravadora: BMG/Warner

3.5 out of 5 stars (3,5 / 5)

 

Pense um pouco e guarde as devidas proporções: como seria se Leonardo da Vinci, depois de criar o Homem Vitruviano e pintar a Monalisa, decidisse tirar umas férias? E, após elas, que duraram anos, não fosse capaz de criar outra obra-prima? Desprezaríamos o sujeito? Lembraríamos que ele foi o criador de tantas obras importantes? Este é o dilema com os Pixies pós-anos 1990. A banda voltou em 2004, com todos os integrantes originais, menos Kim Deal: Frank Black, David Lovering e Joey Santiago. No lugar da baixista, Paz Lechantin faz o que pode para preencher a lacuna, mas ninguém parece se importar muito. É Pixies mas não é. Pelo menos, não como antes.

 

Não significa dizer que os discos pós-reunião sejam ruins: “Indie Cindy”, “Head Carrier” e este “Beneath The Eyrie”, gravados e lançados entre 2014 e 2019, são discos sólidos, com boas canções, bem produzidos e tocados, mas, caramba, onde está a faísca inovadora e sensacional que os dois primeiros trabalhos dos Pixies tinham, a saber, “Surfer Rosa” (1988) e “Doolittle” (1989)? Pois é, o tempo passou, a sonoridade criada e proposta pelo quarteto foi assimilada por várias outras formações – de Nirvana a Weezer – e tornou-se, por assim dizer, de domínio público. Portanto, para curtir os discos recentes do quarteto de Boston, é necessário fazer este exercício de “tolerância” e “compreensão” com o momento do tempo e da banda em sua própria história. Só assim vai dar pra encontrar méritos e virtudes nos trabalhos. Dos três lançamentos recentes, “Beneath The Eyrie” me parece o mais bem acabado e interessante.

 

Isso não significa dizer que não há derrapadas no percurso. Bobagens como “This Is My Fate” parece uma canção de piratas ou de algum brinquedo da Disney para adultos deslumbrados. “Ready For Love” é outra canção que tem o tempo como inimigo: se, no passado, Frank Black era um enlouquecido compositor, uma canção de amor como “Ready For Love” mostra que o sujeito tornou-se, de fato, um senhor, com criatividade, digamos, limitada. As guitarras fortes estão lá, mas – é preciso lembrar sempre – não estamos em 1989. “Silver Bullet” também não consegue usar da conhecida dinâmica dos Pixies entre esporro e silêncio – que influenciou quase todo mundo – fazendo a canção ficar pasteurizada e inofensiva.

 

Mas, e o lado bom? Pois bem, vamos a ele: “Long Rider” tem peso e sustância, apesar de parecer uma canção do Weezer safra 2001, o que não é um demérito. O single “On Gravyard Hill” é uma lindeza, com baixo tonitroante de Lechantin emulando os timbres de Kim Deal e o andamento cheio de guitarras que vêm de várias direções. “Los Surfers Muertos” é mais uma daquelas latinidades filipinas que os Pixies mandam ainda hoje e que funcionam pelas guitarras de surf music contrabandeadas. Esta aqui ainda tem os vocais de Paz Lechantin, dando um molho ainda mais exótico. “St. Nazaire” também é legal, com Pixies sendo Pixies: ritmo reto, guitarras superlativas e vocais gritados. E, bem fora do escopo habitual da banda, “Bird Of Prey” dá a impressão de que Leonard Cohen ressuscitou com uns 40 anos de idade e os Pixies resolveram acompanhá-lo numa cançoneta de acampamento. Funciona. No fim do disco, “Death Horizon” é linear mas simpática.

 

“Beneath The Eyrie” é um compêndio de canções legais que precisam de carinho e compreensão. Se você estiver disposto/a a fazer isso por elas, a recompensa talvez valha o esforço.

 

Ouça primeiro: “On Gravyard Hill”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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