Pretenders seguem relevantes em novo álbum

 

 

 

 

The Pretenders – Relentless
49′, 12 faixas
(Parlophone)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

 

Já se vão 43 anos desde o lançamento do primeiro álbum dos Pretenders. Adicionando dois anos, temos o início de suas atividades, na Londres do movimento punk. Sim, Chrissie Hynde, a líder e coração da banda, é uma sobrevivente do rock, com pedigree à prova de qualquer suspeita. Mesmo com um tempo considerável em atividade, os Pretenders têm uma discografia elegantemente sucinta, chegando apenas à marca do décimo-segundo álbum com este excelente “Relentless”. Se olharmos o retrospecto recente do grupo, dá pra dizer que Hynde e colaboradores vêm numa fase de excelência, iniciada em 2008, com o ótimo “Break Up The Concrete”. Era uma espécie de “disco de retorno”, uma vez que interrompia um hiato de seis anos e retomava a boa verve roqueira da banda, meio desnorteada desde … 1986, quando o grupo lançou o ótimo “Get Close”. Neste tempo (vinte e dois anos e cinco discos), Hynde veio e foi, a banda acabou e voltou e, bem, entre mortos e feridos, lá estava o rock muscular, bem menos new wave do que em seus dias iniciais, mas ainda totalmente reconhecível e louvável. E é este rock que está presente em “Relentless”, verdadeiro fio condutor do melhor dos Pretenders.

 

De 2008 para cá, o grupo lançou quatro álbuns e este último reafirma a importância do guitarrista James Walbourne, que tornou-se o parceiro criativo de Chrissie e responsável pela arquitetura sonora da banda. Aliás, melhor dizendo, James é o tradutor das ideias que Hynde tem para as canções. Este desenho sonoro compreende duas guitarras, baixo, bateria e eventuais teclados, talvez a melhor formação possível para um disco de rock como deve ser – instigante, reflexivo, maduro, mas explosivo. É, no entanto, impreciso dizer que “Relentless” é “apenas” um disco de rock. Ainda que tudo aqui aponte para um gume afiado, baseado em guitarras, a sensibilidade e/ou amargura que Chrissie imprime nas letras das canções é o grande trunfo aqui. Ela não tem qualquer problema em escrever sobre solidão, velhice e perplexidade diante do mundo e isso é objetode conexão imediata com os fãs velhos e novos da banda. E a produção de David Wrench – que já trabalhou com várias pessoas, de Arlo Parks a Florence + The Machine – deixa os arranjos objetivos triunfarem, tornando o álbum algo direto e reto. Como deve ser.

 

A safra de canções é especialmente boa. Chrissie e James Walbourne as escreveram remotamente, durante a pandemia e as colocaram em prática no Battery Studio, em Londres, materializando o sentimento colhido neste período estranho. Logo de cara, duas pérolas brilham intensamente: “Losing My Sense Of Taste” é um rock amargo e encrespado, povoado por guitarras barulhentas, emoldurando os vocais de Hynde, que parecem a meio caminho entre a pujança da juventude e a maturidade. A melodia é triste e evocativa, abrindo espaço para a belíssima “A Love”, clássica representante daquele rockão dedilhado, conhecido pelos gringos como “jangle rock”. Outro bom exemplo da belezura melódica que a dupla de compositores entregou para o álbum, “A Love” tem letra intencionalmente ambígua, que fala da maravilha que é amar, porém, coloca a questão sob o ponto de vista de alguém que precisa dizer o tempo todo que não tem medo de se entregar. Sutileza que complemente a lindeza do todo.

 

Guitarras gordas e marcantes pontuam a ótima “Domestic Silence”, enquanto “The Copa” tem placidez empoeirada do passado, algo com reminiscências country bem-vindas e sob medida para a voz em lamento. “The Promise Of Love” tem boa pontuação de pianos durante a melodia – e que melodia – com um rasgo aberto de tristeza inevitável. “Merry Widow”, como o nome já diz, fala da felicidade que chega por vias aparentemente tortas. O single “Let The Sun Come In” é mais feliz e otimista, sendo outra faixa que exibe o DNA dos Pretenders em sua excelência rocker permanente. A folkie “Look Away” tem um arranjo de violões dedilhados que evocam placidez e belezura em tons diferentes, conduzindo para a faixa seguinte, “Your House Is On Fire”, que parece soar em câmera lenta, num arranjo econômico e eficiente. “Just Let It Go” e “Vainglorious” são, respectivamente, uma balada austera e empoeirada e um rockão em alta octanagem, com ótimo trocadilho no título. E o fecho vem com a magistral “I Think About Daily”, com mais de seis minutos e arranjo de cordas feito sob medida por Jonny Greenwood, naquela que pode ser a canção mais bela do álbum.

 

A julgar pelo vigor de “Relentless”, os Pretenders seguem vivos, fortes, produtivos e operantes. Chrissie Hynde segue como uma das figuras mais marcantes da música pop planetária e seu trabalho permanece relevante e vigoroso. Este é mais um ótimo disco na carreira de uma banda com muito mais acertos que erros. Ouça.

 

 

Ouça primeiro: “A Love”, “I Lost My Sense Of Taste”, “I Think Of You Daily”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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