Pip Blom – Boat
Gênero: Rock alternativo
Duração: 39 min
Faixas: 10
Produção: Dave McCracken
Gravadora: Heavenly Records
Rapaz, que disco adorável. Pip Blom, vocalista e guitarrista que comanda um quarteto, que leva seu nome, é o proverbial mulherão da porra. Formou a banda há menos de três anos, na improvável Amsterdam com uma receita em mente: reproduzir e atualizar o rock alternativo americano do início dos anos 1990, especialmente o que era feito por bandas de meninas, como Elastica, Breeders, Belly e Throwing Muses. Além disso, muito por conta da pouca grana disponível, a estética lo-fi foi colocada como um charme a mais dentro do plano. O resultado, “Boat”, é um típico álbum de verão do Hemisfério Norte, desses que o pessoal ouve no parque, jiboiando sob o sol.
A eficiência de Pip e sua turma vai além do estilo. Eles são ótimos compositores e a moça tem um registro vocal que oscila entre o confessional e o arrogante, algo que soa muito natural em meio às melodias, conferindo autenticidade e espontaneidade ao resultado final. A produção de Dave McCracken é esperta o bastante para identificar estas qualidades e realçá-las ao máximo, sem perder o que importa. As guitarras – de Pip e seu irmão, Tender – são as grandes estrelas dos arranjos, que são simples, nunca simplórios e conduzem as melodias com agridoçura necessária para povoar as narrativas de belas crônicas pós-adolescentes sobre a vida nesta Europa estranha e em vias de fragmentar-se novamente. Pip faz tudo isso parecer desimportante perto de suas narrativas pessoais de desventuras amorosas.
Sabemos bem que, de nada adiantaria toda a estética e espontaneidade se não houvesse ótimas canções por aqui. E elas se sucedem ao longo das onze faixas de “Boat”, numa média assustadoramente alta de maravilhas enguitarradas de três minutos. De cara temos o single “Daddy Issues”, uma maravilha de quatro minutos e meio, que exala felicidade guitarreira de três acordes em meio a uma melodia grudenta, que deságua num refrão infeccioso que não sairá da sua cabeça por muito tempo. Mais adiante, “Say It” surge como uma alternativa um pouco menos abrasiva dentro da paleta de cores, um verdadeiro oásis de guitarras que vão em direções opostas mas que se encontram lindamente na melodia, que é absolutamente bela e igualmente ganchuda.
Outros exemplos surgem por todos os cantos. “Tired” tem vocais cheios de enfado, que soam mergulhados numa maçaroca de guitarras que duelam e que explodem num refrão comunitário que é uma lindeza. “Bedhead” tem levada de bateria mais gorducha mas, novamente, é a comunhão guitarreira que dá o tom por aqui. “Tinfoil” é mais psicodélica, com andamento mais lento e sugerindo uma espécie de blues lo-fi indie, se isso é possível. “Ruby” é outra belezura de canção, lembrando muito alguma coisa que as Breeders poderiam ter feito lá por 1993. “Set Of Stairs” é devedora direta do primeiro disco do Elastica, enquanto “Sorry” é outro exemplo majestoso da simplicidade lo-fi contribuindo para tornar uma bela canção viável. O fecho, com “Aha”, alterna início climático com explosão de barulho do meio pro fim.
Pip Blom sabe o que está fazendo. Não podemos perdê-la de vista, seu disco de estreia é um dos álbuns do ano, uma verdadeira explosão colorida de guitarras, histórias e fofuras existenciais diversas. De dar gosto.
Ouça primeiro: “Say It”.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.