Os melhores da década vêm aí

 

Estou começando a organizar listas de melhores do ano e, sim, de melhores da década.

 

Célula Pop vai estrear sua sintonia com o tempo, apesar de que, tendo o site entrado no ar em 13 de fevereiro de 2019, coube ainda fazer um resumão do que foi legal em 2018. Teremos melhores discos, livros, filmes, músicas – nacionais e internacionais -, além de outras sugestões que temos recebido. Guloseimas, quadrinhos, um monte de itens.

 

Uma das listas mais certas é a de melhores músicas da década. E, claro, uma das mais difíceis. Primeiro porque a Célula Pop existe para procurar um espaço que ainda está desocupado, o de um site com opinião própria, que não vai, necessariamente, repetir o que vem de fora. Não se trata de xenofobia, longe disso, mas de procurar entender porque a nossa imprensa especializada tende a achar válidas escolhas de sites como Pitchfork, NME e congêneres, uma vez que estes veículos – ainda que legais e válidos – espelham realidades de lugares que não são o nosso. De vidas que não são as nossas, em cotidianos distintos dos nossos.

 

Significa que é mais interessante procurar – e encontrar – músicas e objetos de arte em geral que, mesmo vindos de fora, nos digam algo em nossa realidade. Claro, em algumas vezes, iremos nos transportar para outros mundos, até porque, essa é uma das atribuições da arte em si. Mas há um espaço enorme entre copiar e vivenciar. Por isso, tenho grande expectativa sobre o que será essa lista. Estou fazendo com o máximo de calma e ponderação, além de ouvidos muito atentos. Pode confiar.

 

Aliás, estas audições e revisões me trouxeram de volta a uma canção muito, muito bela. “Isso Também Vai Passar”, do cantor e compositor mineiro César Lacerda. Ela foi a primeira canção de seu terceiro disco, “Tudo, Tudo, Tudo, Tudo”, lançado em 2017. Quando ouvi o álbum, no ano do seu lançamento, fiquei espantado com a beleza da canção.

 

Ao resenhá-lo para o Monkeybuzz, comecei o texto da seguinte forma:

 

“Uma simples olhadela nos jornais e na Internet vai nos dizer: vivemos tempos de brutalidade. Por quase todos os lados, lemos, vemos, percebemos e sentimos que, de alguma forma estranha, as coisas preciosas e que custaram anos de dedicação e empenho, podem estar de partida de nossas vidas. E das dos outros, que, em sua maioria, não parecem se importar. De alguma forma, parece que precisamos de lucidez, pé no chão, respirar fundo e olhar pra frente, lembrando o caminho que nos trouxe até aqui. Precisamos de delicadeza, entrelinhas, pormenores, tons intermediários. Este terceiro disco do mineiro César Lacerda, é uma espécie de tributo à gentileza, à candura, à atenção. É um eco ainda solitário num país que parece ter sofrido um imenso acidente banalizado todos os dias, numa situação que lembra um verso de Caetano Veloso, no qual ele dizia que “somos cegos de tanto ver”. Digressões à parte, tudo, tudo, tudo, tudo é uma voz forte em carinho e afeto que se levanta do lodaçal e brada sobre possibilidades que pareciam desparecidas. É sério, mas é doce e brando, como convém.”

 

E sobre a canção, disse:

 

“Se há algo que distingue “Tudo…” em relação aos trabalhos anteriores, certamente é a coesão das canções e sua sintonia em torno deste brado pela serenidade, algo que pode ser um conceito subterrâneo por aqui. Isso Também Vai Passar, a impressionante canção de abertura, seguramente uma das melhores escritas e gravadas em português neste ano, é uma pequena-grande reflexão sobre a passagem/relatividade do tempo, esse bem realmente precioso em nossas vidas. César percebe as diferentes considerações sobre sua passagem, medindo a importância das coisas por quanto elas duram em nossas vidas, chegando à conclusão filosófica de que tudo vai passar. Ele vai enfileirando medos, certezas, harmonia, caos e até temas políticos absolutamente necessários, como o atual governo, a falta de dinheiro e a crise política que vivemos, no ról de coisas que não resistem à passagem do tempo. Com ela, César situa o ouvinte neste contexto, preparando-o para o que vem nas outras faixas.”.

 

Tendo em vista que hoje, quase dois anos depois do disco lançado e da resenha escrita, ainda vivemos tempos de brutalidade, necessitamos de carinho, serenidade e lucidez, achei por bem, como prova de que estamos preparando listas muito legais e diferentes do que existe por aí, trazer de volta a audição de “Isso Também Vai Passar”. Porque, gente, tudo passa. Mas muito fica. Inclusive essa canção.

 

Vou te contar
Que tudo, um dia, vai passar
Esse medo de avião que te sustenta inseguro
E essa dor que te machuca, te assombra no escuro
Vinte anos ou noventa e oito vidas no futuro
Eu te digo: tudo acaba! tudo, tudo, tudo, tudo

Vou te contar
Que tudo, um dia, vai passar
O momento mais bonito que a gente viveu junto
E também o mais terrível, o mais estranho, o mais confuso
As escolhas, as certezas, tudo muda num segundo
Nada vai restar intacto, inteiro nesse mundo
Ah! isso também vai passar!
Essa canção
Isso também vai passar!
Nós dois
Vou te contar
Que tudo, um dia, vai passar
Essa falta de dinheiro, essa crise, esse governo
Esse grito preso de que tudo mais vá pra pro inferno
O temor disso durar por muito tempo, ser eterno
Eu te digo: tudo acaba! tudo, tudo, tudo, tudo
Ah! isso também vai passar!
Essa canção
Isso também vai passar!
Nós dois

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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