Baladões confiáveis dos anos 1980
Esta lista surgiu de uma discussão ocorrida há poucos dias – ontem? – no Facebook. Um amigo querido fez menção a “Everytime You Go Away”, canção composta pela dupla americana Daryl Hall & John Oates, dizendo tratar-se de uma bela faixa no cânon do duo. E ainda disse que preferia a gravação original à versão mais famosa da canção, registrada pelo inglês Paul Young em 1984, que tornou-se hit mundial. Daí outro amigo querido referiu-se a “Everytime…” original e versão, como uma “baba”, termo depreciativo para “canção melosa, chata, cheia de sacarina musical”. É comum que muita gente boa e que entende do assunto entenda a música lenta como algo “ruim” ou “menos bom” que outras canções com andamentos diferentes. Nem é sobre a lentidão das batidas e arranjos, mas sobre letra, sentimento e intenção dessas “babas”. Na verdade, este termo surgiu no rádio FM da virada dos anos 1970/80, para se referir a “canção de amor” ou algo que era feito naquele espaço de tempo. Por isso é meio complicado se referir a canções dos Beatles como “baba”, ainda que “Yesterday” possa até ser encarada por alguns como tal.
Pois bem, visando o entendimento e um consenso, resolvi lembrar de algumas canções que eu chamei de “baladões confiáveis dos anos 1980”, especialmente porque aquela foi a década em que este gênero se consolidou e ganhou projeção mundial. E, sim, porque eu sou fã de muitas dessas “babas” que ganham má reputação por aí em vão. A enorme maioria delas é de canções bem produzidas, tocadas e arranjadas. Aliás, eu sempre achei – e isso é um achismo – que fazer baladas é muito mais complexo e difícil que fazer uma canção dançante. Bem, veja a lista e diga o que acha. Se quiser, pode seguí-la, salvá-la, o que desejar. Ah, pode criticar também, claro.
Em tempo: procurei evitar babas reais como, por exemplo, “Your Latest Trick” do Dire Straits e coisas no gênero.
– Rick James e Smokey Robinson – “Ebony Eyes” (1984) – é uma das mais belas canções com o selo “Motown” de balada clássica. Arranjo lindo, letra derramada, vocais perfeitos – dois mestres em ação – e um clipe que tinha uma história maluca com Smokey e Rick como pilotos de um avião com o título da canção, que cai numa ilha deserta.
– Stevie Wonder – “Ribbon In The Sky” (1981) – Stevie é um mestre absoluto da canção, em qualquer andamento que ela tenha. Dono de uma habilidade fora do normal, ele tem baladas lindíssimas em seu catálogo, mas “Ribbon” é uma favorita pessoal. A letra fala do amor que finalmente chegou, da realização pessoal e à dois, enfim, uma lindeza que ainda tem um arranjo impressionante e um show de performance no piano.
– Foreigner – “I Want To Know What Love Is” (1984) – O Foreigner é um grupo americano que transitava entre o hard rock e uma variação extremamente ianque do ritmo, com direito a algumas baladas. Esta, junto de “Waiting For A Girl Like You” mostra que os sujeitos tinham boa mão para canções pop emocionantes. A escolha sobre essa é pessoal, visto que é uma das minhas gravações preferidas dos anos 1980 e mostra a ótima performance do vocalista Lou Gramm.
– Paul Young – “Everytime You Go Away” (1985) – Cá está a versão para o original de Hall & Oates. Esta gravação de Paul Young também é uma das minhas preferidas da década e tem um arranjo muito mais belo que a gravação da dupla. Os vocais de apoio, os teclados e o ruído do avião e vem e vai ao fim da faixa, tudo é muito bonito aqui.
– Cutting Crew – “I’ve Been In Love Before” (1988) – O Cutting Crew é um grupo inglês meio sem sentido. Fez muito sucesso com um hit chamado “I Just Died In Your Arms Tonight”, que parece tema de comercial do cigarro Hollywood, mas que tem essa linda canção em sua lavra, com um arranjo intrincado, que mostra ótimo trabalho de guitarras. É uma das preferidas da JB FM, no Rio, que deve tocá-la umas três vezes por dia, TODO DIA.
– Paul McCartney – “No More Lonely Nights” (1984) – Paul é um dos grandes compositores da história. Sua habilidade para fazer canções é quase insuperável e, claro, ele tem várias baladas compostas. Escolho esta porque é um hit que sobreviveu ao tempo e que tem a guitarra de David Gilmour – Pink Floyd – em seu arranjo belíssimo. Foi tema de um filme estranho que nunca emplacou. Provavelmente, Paul nunca a tocou ao vivo.
– Prince – “Purple Rain” (1984) – Esta canção é a “Little Wing” de Prince, ainda que eu ache que ela é ainda superior à composição de Hendrix. Balada clássica soul, com guitarra incandecente, performance vocal inigualável e um clima de amor partido, sofrido e dilacerado. Uma obra definitiva deste período da carreira de Prince.
– Queen – “It’s A Hard Life” (1984) – Um clássico menor na discografia extensa do Queen e que mostra – mais uma vez – a versatilidade vocal impressionante de Freddie Mercury. Ela é inspirada na canção “Ridi, Pagliacci”, da ópera “Pagliacci”, escrita pelo italiano Ruggiero Leoncavallo em 1892. É dilacerada, é doída, intensa e mostra a capacidade do Queen como uma banda versátil e totalmente pop.
– Culture Club – “Victims” (1984) – Canção do ótimo segundo disco da banda, “Colour By Numbers”, omitido na maioria das listas de melhores álbuns dos anos 1980. Ela mostra a capacidade de Boy George como vocalista e da banda como uma formação pop. O arranjo é lindo, partindo do piano e abrindo espaço para vocais de apoio e todos os instrumentos, num andamento que emula algo das produções setentistas de FM. Uma lindeza esquecida.
– Bryan Adams – “Heaven” (1984) – O canadense Bryan Adams é um dos alvos preferidos dos detratores das baladas oitentistas. Ele é responsável por várias canções de sucesso na década, com preferência pelas de andamento mais lento. “Heavan” é um grande sucesso, mas perde em popularidade para “Everything I Do I Do It For You”, tema da versão de 1990 de “Robin Wood” e para “Have You Ever Really Loved A Woman”, do longa “Don Juan de Marco”, de 1994. Mesmo assim, ela ainda tem seu lugar nesta lista.
– Aztec Camera – “How Men Are” (1987) – O cantor e gênio inglês Roddy Frame era a mente pensante e brilhante por trás do Aztec Camera e não tinha muito o hábito de se meter em baladas, mas, quando o fez, mandou muito bem. Esta canção, presente no álbum “Love”, é um libelo contra o machismo e uma carta de amor ao amor. O arranjo tem muito de sou e a voz de Roddy é perfeita. Lindeza escondida. O que dizer de um verso como “Love is the power to have without the premise there’s nothing is for free”?
– George Michael – “Careless Whisper” (1985) – Este é um clássico baladeiro da década de 1980. Exagerada, com um saxofone no limite da breguice e uma interpretação quase latina de George Michael, que já mostrava aqui o gigantesco intérprete que era. Só que ele ainda era o compositor dessas maravilhas. Um clássico e ponto final.
– Supertramp – “My Kind Of Lady” (1982) – Uma típica canção do “vocalista da voz grave” do Supertramp, Rick Davies. Fã de R&B americano, Davies, ao contrário do “vocalista da voz fina”, Roger Hodgson, era um cultor das origens clássicas americanas. Aqui ele mergulha no arranjo mais fiel aos grandes baladões cinquentistas de Platters e bandas semelhantes, entregando uma lindeza atemporal. De brinde, um solo antológico de saxofone de John Helliwell, um dos grandes injustiçados do instrumento, mostrando aqui, mais uma vez, sua estatura. Uma preferida – tristemente nunca dançada – dos bailinhos.
– Gregory Abbott – “Shake You Down” (1986) – Onde andará este malandro chamado Gregory Abbott? Surgiu do nada e voltou para o limbo, mas não sem antes emplacar esta lindeza que é faixa-título de seu primeiro álbum. O arranjo tangencia sem pudores a intrincada trama de Marvin Gaye em “Sexual Healing”, mas envereda por um caminho mais fácil em que estão uma gaitinha, vocais de apoio e um “where, where” que Abbott repete de quando em vez, que serviria de inspiração para o rapper Buchecha, uma década depois. Clássico é pouco pra definir.
– Scorpions – “Still Loving You” (1984) – Um colosso lento e cinematográfico da banda alemã e sua ótima fase no início dos anos 1980. Tornou-se um clássico das FMs nacionais desde a presença dos Scorpions no Rock In Rio, em 1985 e segue imbatível como um de seus melhores momentos.
– Marillion – “Sugar Mice” (1987) – Tá, eu sei que você esperava que, se o Marillion entrasse nessa lista, que seria com “Kayleigh”. Mas, qual seria o propósito de mostrar só um monte de canções conhecidas? “Sugar Mice” é de “Clutching At Straws”, o último disco da banda com o vocalista Fish e fala sobre uma tremenda depressão, possivelmente vivida pelo próprio, num meio de turnê em pleno Estados Unidos. A letra é linda e a performance do guitarrista Steve Rothery é impressionante.
– Duran Duran – “Save A Prayer” (1982) – Uma das definições de “balada oitentista” passa, necessariamente, por esta canção. Arranjo lindo e surpreendente para uma banda até então conhecida por canções rápidas e dançantes. Simon Le Bon e, especialmente, Nick Rhodes mostram o quando são monstruosos aqui. Um nos vocais, outro nos arranjos. “Save A Prayer” é uma marca registrada do grupo e da década.
– Cyndi Lauper – “All Through The Night” (1985) – Seria fácil escolher “Time After Time”, certo? Ou “True Colors”. Mas o momento alto de Cyndi é este aqui, uma canção meio lenta, meio Abba, meio caipira, meio country, meio tecnopop e que ainda tem – até hoje – a introdução como abertura dos Sentinelas da Tupi, um clássico do rádio AM carioca, que resiste. Esta canção é uma preciosidade.
– Jules Schear – “Steady” (1985) – Um clássico pessoal desde os tempos de colégio, “Steady” é uma perfeição acima de qualquer suspeita. A letra fala de amizade, de cumplicidade e união, ou seja, uma beleza que não parece mais ter lugar no mundo de hoje. A interpretação de Schear – que sumiu há tempos do showbiz – é perfeita. E, sim, a composição é de Cyndi Lauper. Atenção para o solo de teclado no meio da canção.
– Crowded House – “Don’t Dream It’s Over” (1986) – “Many battles are lost, but you never see the end of the road while you’re travelling with me”. O que pode ser mais lindo que este verso? Pois ele está na letra desta beleza de canção, composta pelo gênio neozelandês Neil Finn, mentor do Crowded House. A banda fez sucesso mundial no fim dos anos 1980 mas seguiu em atividade até meados da década seguinte. Há uma performance de despedida em Sidney, do início dos anos 2000, que é linda. Este é seu maior sucesso e um clássico.
– Madonna – “Crazy For You” (1984) – Faixa “lentinha” contida no ótimo terceiro disco da Madonna, “Like A Virgin” e que anunciava sua versatilidade desde o início da carreira. A gente poderia ter escolhido a bela cover de “Love Don’t Live Here Anymore”, mas essa aqui é uma belezinha vulnerável, ingênua e derramada, incomum na obra da moça.
– Billy Idol – “Eyes Without A Face” (1984) – Essa é outra canção clássica entre as baladas oitentistas, ainda que não seja exatamente uma faixa lenta ou “baba”. A interpretação de Billy e as guitarras de Steve Stevens dão um tom estranho e confundem a classificação. É uma canção com muitos pontos altos, seja o backing vocal em francês, repetindo o título, os teclados, o bom trabalho de bateria…Podemos chamar de clássico sem medo.
– The Cars – “Drive” (1984) – Maior hit da carreira do grupo americano, bastante incomum em sua obra, uma vez que os Cars sempre foram uma banda de canções new wave mais enguitarradas e endiabradas. Mas a levada lenta e cinematográfica, os teclados perfeitos, a interpretação de Ric Ocasek e Ben Orr, tudo conspira para a perfeição por aqui. “Drive” é outra canção clássica e sobrevivente dos anos 1980.
– Spandau Ballet – “True” (1982) – Seja por sua beleza simples, seja por sua inclusão na cultuada trilha sonora de “Sixteen Candles”, seja pela sequência deste filme em que ela toca, ou seja pelo sample inserido por PM Dawn em 1991, “True” é uma melodia marcante e bem feita. Foi o maior sucesso do grupo new romantic Spandau Ballet, que, quando surgiu, foi apontado como um concorrente de peso do Duran Duran. Ficou na promessa, nesse single e em outra bela canção, “Only When You Leave”, de 1985.
– Phil Collins – “Against All Odds” (1984) – Você pode detestar o Phil Collins, mas não admitir seu talento é um erro. O sujeito inaugurou aqui, nesta canção, uma trilha de sucessos que o levaram para o megaestrelato mundial. Collins era um promissor artista solo, ex-Genesis, com potencial e tudo, mas foi com esta canção que ele se mostrou capaz de cantar e compor uma balada cinematográfica – foi faixa-título de um filme chinfrim da época – e antecipou o que ele poderia fazer em discos subsequentes, como “No Jacket Required”, lançado no ano seguinte.
– Tina Turner – “Two People” (1986) – Tina Turner ressurgiu nos anos 1980 com um belo disco chamado “Private Dancer”, lançado em 1984. Dele vieram vários sucessos, mas por uma questão de preferência pessoal, o sucessor dele, “Break Every Rule”, de 1986, me soa muito mais interessante e cheio de ótimas canções. Esta balada arejada, jazzy, cheia de pedacinhos de referências a clássicos soulpop setentistas é uma joia da coroa de Tina. A meu ver, é seu melhor momento na década.
– Toto – “I’ll Be Over You” (1987) – O grupo americano Toto é um dos alvos preferidos dos malandrões que criticam as pobres babas sonoras. Esta canção, contida no álbum “Fahrenheit”, é uma beleza de arranjo e execução. O Toto não tem medo de mergulhar na piscina de sacarina total e abraça a ideia com amor e força. De quebra, os vocais de Michael McDonald aparecem sutilmente. E fazia parte da trilha sonora da novela “O Outro”.
– Michael Jackson – “Man In The Mirror” (1987) – Esta é uma faixa do irregular álbum “Bad”, lançado por MJ em meio a um turbilhão de marketing e expectativa pós-“Thriller”. O disco tinha algumas canções bem fracas, mas alguns pontos muito altos, como esta canção, que é uma das mais belas interpretações de Jackson nos anos 1980. A letra fala de mudança começando por nós mesmos e segue tristemente atual. O clipe belíssimo servia para – como dizem hoje em dia – potencializar a beleza da canção. Até hoje é uma beleza lacrimogênea, ainda que seu arranjo esteja terrivelmente datado.
– Elton John – “Nikita” (1985) – Outro dia fizemos um texto para defender a integridade de “Nikita”, vilipendiada por uma horda de seres sem sensibilidade ou senso de humor. Veja aqui. E, sim, ela é uma lindeza dos tempos da Guerra Fria.
– Alphaville – “Forever Young” (1985) – Sim, o grupo alemão teve seu momento de glória extrema com esta canção, que dá título ao seu segundo álbum. Nem é´a faixa mais legal do disco, posto que é disputado por “Sounds Like a Melody” e “Big In Japan”, mas bate um bolão até hoje. É dessas raras ocasiões em que tudo dá certo, especialmente pelo arranjo, mas a letra também tem achados como o belo verso “hoping for the best but expecting the worst, are you gonna drop the bomb or not?”.
– Information Society – “Repetition” (1988) – Uma pequena maravilha, contida no improvável disco de estreia deste New Order americano de baixo orçamento. O InSoc – como os integrantes gostavam de se referir à banda – era um grupo fora de lugar, teria mais sentido numa cidade periférica de Londres mas seu primeiro disco chegou forte no Brasil e, ao que parece, em nenhum outro lugar do mundo. “Repetition” era melô de dor de cotovelo, de dança coladinha nos bailes e, sim, uma baita canção.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.