Os Filmes de Super-Heróis Alcançaram a Maioridade. Você Também Deveria.
O primeiro longa dos X-Men, dirigido por Bryan Singer e lançado no ano 2000, pode ser considerado o marco inicial da atual onda super-heroica no cinema. Foi o seu sucesso de crítica e a aclamação do público que permitiram à Sony finalmente apostar no filme do Homem-Aranha, um projeto que se arrastava há muitos anos. Tempos depois a Warner decidiu ressuscitar a franquia Batman com uma produção dirigida por Christopher Nolan, calcada fortemente no realismo e em uma abordagem sombria.
Pois é, lá se vão mais de dezoito anos. Legalmente, os modernos filmes de super-heróis já podem entrar em um bar sem constrangimento. Embora a primeira aventura cinematográfica dos mutantes não tenha abraçado todas as nuances do seu universo quadrinhístico original, o absoluto respeito à essência dos personagens e suas histórias foi o que mostrou aos fãs de HQs, esse pessoal zeloso de seus amores, que os filmes poderiam adaptar os gibis de forma a agradar a seguidores antigos e ao público geral dos cinemas, que não davam a mínima para as cores originais do uniforme do Wolverine.
É curioso que todo um gênero cinematográfico tenha surgido buscando uma espécie bem particular de reconhecimento, na tentativa de ser levado a sério, e hoje, passadas quase duas décadas , abrace sem medo e sem limites um certo descompromisso com o tom das histórias, muitas vezes pesando a mão no humor.
Na produção e campanha de X-Men, os realizadores se esforçaram para mostrar o quanto o filme aterrava os conceitos fantasiosos dos quadrinhos. Uniformes foram substituídos por trajes negros de combate – e de couro. O filme era classificado como uma produção de ficção científica, passada num futuro bem próximo aos nossos dias. O Batman Begins (2005) de Nolan tinha os seus apetrechos de combate ao crime explicados pelo roteiro. Os componentes da bat-roupa eram todos de origens militares ou produtos de pesquisas tecnológicas inovadoras.
A sisudez dos heróis cinematográficos do início do século XXI contrasta com o escracho quase completo de Guadiões da Galáxia (2014), dirigido por James Gunn. Encaixado dentro da cronologia do Universo Cinematográfico da Marvel, onde cada filme compõe uma narrativa maior e interligada, Guardiões resgata com muito brilho a tradição dos filmes de aventura com toques de humor que se solidificou nos anos 1980. E acerta em cheio o público adulto, entre os 30 e 50 anos, que formou parte de sua infância e juventude nessas produções.
Gunn, autor também do roteiro, realizou o mais engraçado dos filmes de super-heróis recentes, sem descuidar da arquitetura de uma grandiosa e épica aventura espacial. É a “fórmula Marvel” recriada com requinte e propósito, o contraponto perfeito para o que, hoje já se pode afirmar, está levando boa parte dos filmes de heróis para um certo cansaço narrativo: a estrutura das histórias de origem e o humor que tenta soar esperto, mas resulta apenas bobo e repetitivo.
O Tony Stark interpretado por Robert Downey Jr. em Homem de Ferro (2008) se tornou o modelo definitivo da maioria dos personagens que passaram pelos filmes da Marvel desde então – a cada ano, a cada novo filme, um novo protagonista piadista e irreverente surge. Até mesmo Thor, o dramático guerreiro asgardiano, estrelou uma comédia de ação em Thor:Ragnarok (2017).
Quando Downey Jr. entrou em cena, as apostas eram altas para a Marvel. Homem de Ferro (2008) foi o primeiro filme produzido pelo estúdio que leva o nome da editora e foi o responsável por testar a fórmula e a estrutura de criação de um universo compartilhado entre as produções. O vigor do ator, ele próprio com uma rica história de altos e baixos, foi fundamental para o sucesso do projeto. Tony Stark se tornou a referência do herói trágico e engraçado, o farol que Luke Skywalker e Indiana Jones representaram para os filmes de aventura dos anos 1980 e 1990.
O sucesso da Marvel como estúdio e da sua estratégia de conexão entre as histórias de seus filmes mostrou-se sem precedentes. As bilheterias aumentam a cada lançamento e, mesmo quando o resultado de uma produção não é astronômico, mesmo assim é satisfatório, como ocorreu com Doutor Estranho (2016), por exemplo, que arrecadou cerca de 670 milhões de dólares mundialmente. E mesmo o bom Doutor, personagem ligado ao ocultismo e questões sobrenaturais, tornou-se especialista no “humor espertinho”. Algumas gags do filme chegavam mesmo a quebrar o ritmo da narrativa, como uma piada sobre o alcance da cantora Beyoncé dentro de um templo místico oriental.
Parece que as produções de ação mais recentes se tornaram absolutamente dependentes desse alívio cômico, não importa o preço – e o peso – que isso terá sobre a história que se deseja contar. Tanto sucesso e apego a essa fórmula miram, obviamente, o público que vêm, por anos, consumindo e elogiando esses filmes. É certo que os dois lados da corrente, realizadores e espectadores, estão se contentando em marcar checklists dos elementos que uma película do gênero precisa, hoje, para ter sucesso: grandes efeitos, astronômicas batalhas finais, piadas inesperadas frente ao perigo e o desconhecido. Não são as histórias que engendram esses aspectos, mas são essas exigências de “temperos” que estão ditando a forma como essas histórias estão sendo contadas.
Fica a sensação de que abrimos mão da possibilidade do desconforto no entretenimento que estamos consumindo. Como se o desconhecido e a surpresa dos roteiros já não importassem tanto quanto o afago em um público cada vez mais mimado pela cultura pop que usa para se divertir.
Não é culpa do Marvel Studios. Afinal, no universo criativo, ninguém deveria ser culpado por entregar produtos de sucesso e bem acabados. Mas também é verdade que esse sucesso gigantesco criou novos paradigmas para os concorrentes, como mostram os esforços da Warner com os personagens da DC Comics e mesmo a Universal, que tentou criar uma espécie de universo compartilhado a partir de suas clássicas franquias de monstro. Projeto aparentemente abortado após o fracasso de A Múmia (2017), que deveria ser a pedra fundamental da iniciativa.
A produção, estrelada por Tom Cruise, é um guia do que não se deve fazer em planejamentos a longo prazo de narrativas. São inúmeros elementos jogados de forma quase aleatória pelo roteiro, na esperança de que breves citações sejam o suficiente para despertar o interesse do público. E não são – vide o mal acabado Dr. Jekyll interpretado por Russel Crowe nesse filme.
O outro lado da gangorra das soluções fáceis são os roteiros que passam a apresentar um fiapo de história, com soluções bobas para situações que, com outro tratamento, seriam interessantes. Um exemplo é a construção da relação dos personagens Carol Danvers e Nick Fury, em Capitã Marvel (2019), um bom porém mediano filme. Os heróis se conhecem e pouco depois já engatam diálogos – e um interrogatório – calcados em piadas “espertas” sem que essa relação tenha tido um desenvolvimento real na tela.
Mas o título do nosso texto aponta também para a maturidade do público. O que temos a ver com tudo isso? Um possível exemplo de como nos tornamos velhacos mimados – ou adolescentes mimados, dá no mesmo – é parte da reação negativa ao episódio IX da saga Star Wars, Os Últimos Jedi (2017). Pode-se argumentar que o filme tem problemas – quase todo bom filme tem – mas é exagerada a gritaria sobre o tratamento dado ao personagem Luke Skywalker.
No filme, Luke é apresentado de maneira drasticamente diferente daquilo que dele sabíamos, o que gerou profunda revolta nos fãs da saga. Mas esse é um sujeito que esteve longe da nossa vista por mais de três décadas – no mundo real e na própria cronologia dos filmes. Ou seja, Luke, que ainda não havia completado trinta anos quando prevaleceu sobre o Imperador em O Retorno de Jedi (1983), teve mais da metade de sua vida transcorrendo em aventuras inéditas para nós.
Ao invés de esbravejarmos sobre nossos heróis de infância destruídos, poderíamos perceber que as mudanças no personagem é que são a história. A surpresa e o impacto de seu (re)surgimento no nono capítulo da saga estão ali, mesmo dolorosas para alguns, para nos dar as mãos e seguir narrativa adentro, a aventura apresentando-se nova e, se dermos espaço para tanto, instigante, por que não?
Mas em uma época em que, às vésperas da estreia de Vingadores: Ultimato, um fechamento para uma importante fase da vida cinematográfica desses heróis, adultos bradam contra a presença de crianças no cinema, acusando-as de interromperem com choros seu entretenimento sagrado, cobrar maturidade do público, ou uma vitória da narrativa sobre soluções fáceis e rápidas, seja um pouco demais.
Fabio Luiz Oliveira é historiador e crítico da Arte não praticante. Professor da rede pública do Rio de Janeiro. Escritor sem sucesso, espanta o mofo de seus textos em secandoafonte.wordpress.com