O não-presidente do Brasil

 

 

Ontem à noite, mais um pronunciamento lamentável do atual ocupante da presidência da República. Não deu pra aproveitar nada dos cinco minutos de fala sobre a situação que estamos vivendo. Apenas lixo. Apenas comprovação de que somos liderados por uma pessoa que não tem qualquer empatia, compaixão, senso de dever, noções de ética, civilidade, cidadania, nada. Cinco minutos de lixo tóxico. De uma linha de “raciocínio” que minimiza mortes, prioriza o dinheiro, coloca como objetivos da nação não a salvação de idosos e vulneráveis à pandemia de coronavírus, mas o fato do país “não parar”, da economia “continuar girando”.

 

Não precisamos lembrar que, sob o governo desta gente, o país já parou. O dólar altíssimo, o PIB imoralmente baixo, os ricos seguem sem contribuir com a sociedade, os pobres seguem achatados e penalizados, os direitos trabalhistas estão enfraquecidos, o poder público perdido em um círculo vicioso de alimentar os mais ricos com o sacrifício dos mais pobres de um jeito quase inédito na nossa já terrível história.

 

Segundo esta gente, o país está lidando com um vírus que “não é motivo para histeria”. Não basta vermos os quase mil mortos por dia na Itália e Espanha, não. O que acontece nesses países não acontecerá aqui. Segundo este sujeito, o Brasil tem “população jovem”, tem “clima diferente”, tem uma série de peculiaridades que não trarão o coronavírus para o nosso convívio. Mesmo que esta linha de pensamento não se sustente, é o caso de perguntar para ele: e a China? É tão diferente do Brasil? E a quantidade de mortos? De infectados? De cidades inteiras em quarentena? Cidades muito mais povoadas que as nossas? Como faz? São uns burros.

 

Além da burrice, que seria um álibi lamentável, mas, ainda assim, um álibi para tanta truculência, há a maldade. Assim como os empresários lastimáveis, que não vêem problema na morte de “5 mil, 7 mil, 12 mil velhinhos”, o governo federal visa atrapalhar os governos municipais e estaduais, que procuram ter uma postura condizente com a gravidade da situação. Políticas de isolamento social, de quarentena, de restrições, tudo isso foi desacreditado pelo pronunciamento de ontem.

 

A cereja do bolo foi quando a frase “eu não pego resfriadinho porque tenho histórico de atleta” foi dita. Tal afirmação poderia ser ouvida num boteco, dita em meio a velhos embriagados de cachaça barata. Mas não. Foi dita por um presidente da república (minúsculas intencionais). Ele não foi colocado neste posto sozinho. Houve 57 milhões de votos e um número ainda maior de abstenções, que contribuíram para sua eleição. Estas pessoas, estes milhões agora ENDOSSAM tudo o que ele diz. Assinam embaixo de todo este cenário de caos, no qual o faturamento de dinheiro é mais importante que a vida das pessoas. Esquecem-se que elas são pessoas também e que o vírus não contamina ações, notas, moedas, títulos. Eu teria medo.

 

Aliás, quem não está com medo, não entendeu nada. Quem pensa que isso é só histeria, das duas, uma: ou é burro, ou é mau. Como o não-presidente do Brasil.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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