O impressionante Jon Batiste

 

 

Jon Batiste – We Are

Gênero: Jazz, R&B

Duração: 38 min.
Faixas: 13
Produção: Jon Batiste
Gravadora: Verve

5 out of 5 stars (5 / 5)

 

 

 

De tempos em tempos surge um disco como este “We Are”, do arranjador, pianista, band leader e compositor americano Jon Batiste. E surge meio que por acaso, ainda que Jon seja um músico de livre trânsito nas bandas de jazz moderno, tenha participado ativamente dos protestos do Black Lives Matter em Nova York, comande a banda de apoio do Steven Colbert Show e, por fim, tenha emprestado seu talento para a trilha sonora do desenho “Soul”, da Disney/Pixar, na qual ele assina e canta “It’s Alright”. Foi justamente o sucesso desta canção que fez com que as pessoas percebessem o talento do sujeito, que já era uma discreta unanimidade entre seus pares. Se não fosse assim, quem teria a manha de contar com convidados do naipe de Mavis Staples, Quincy Jones, Zadie Smith, PJ Morton, Trombone Shorty, St. Augustine Marching 100, Steve Jordan, além de chamar seu pai e seu avô, músicos tarimbados da cena de sua nativa New Orleans? Batiste tem a manha, senhoras, senhores e demais configurações.

 

Por ora, tente esquecer a belezura da trilha sonora de “Soul” e venha conhecer o resto do álbum. É um trabalho que usa o hip hop e os timbres mais pop da música negra atual apenas como referências, o que, finalmente, acaba apontando novas possibilidades. O jazz, estilo de origem de Jon, também está aqui como um ingrediente do bolo, evitando as incursões mais viajantes – e herméticas – que muitos músicos atuais têm feito. Sendo assim, o que ele usa para pavimentar seu caminho é o bom e velho R&B sessentista/setentista, mergulhando fundo nas estruturas criadas por monstros como Marvin Gaye ou Stevie Wonder, ampliadas ao longo dos anos 1970 por bandas como Isley Brothers ou Kool And The Gang. Isso quer dizer que ele é capaz de atualizar essas referências clássicas, misturá-las com a urgência do momento e, por conta de seu talento, soar absolutamente novo e fresco em pleno 2021.

 

A sonoridade que preenche o álbum é absolutamente sensacional. A abertura, logo de cara, com “We Are”, a canção, mistura corais tradicionais das bandas de rua de Nova Orleans com uma batida infecciosa, pontuada por guitarras sutilíssimas e pela voz muito versátil de Batiste, que vai apresentando credenciais. A entrada de “Tell The Truth” aponta mais um caminho: o soul sessentista, algo que ele abraça novamente sem soar “vintage”, como vários artistas fazem atualmente. A pegada que Jon imprime é muito autêntica e orgânica, não tem qualquer fator presente que não seja a coerência e a musicalidade. “Cry”, que é uma clássica – porém nada óbvia – canção de protesto, vai crescendo e incorporando detalhes ao longo do arranjo, num momento realmente belo do álbum, com direito a um solo de guitarra iluminado. Com essas três faixas, Batiste já prende o ouvinte em “We Are” e isso é só o começo.

 

“I Need You” é uma mistura de hip hop com jazz e vocais tradicionais, que incita os pés do ouvinte ao movimento incontrolável. “Whatchutalkabout” é outro exemplo de mistura desses dois estilos, mas de uma forma completamente diferente, pendendo muito mais para a modernidade. É outro exemplo de genialidade e movimento incontrolável. E o hip hop é o que domina “Boy Hood”, mas de um jeito cheio de ginga e musicalidade, como se costumava fazer no início dos anos 1990, época do ouro do gênero. “Adulthood” é outra canção cheia de possibilidades, jeitão de gospel e pianos marcantes, “Freedom” é uma cacetada na orelha, verdadeiro epicentro de exuberância, enquanto “Show Me The Way” é uma revisita ao soul setentista com amor e fé. Parece algo de Marvin Gaye ou dos Isley Brothers, o que é, a meu ver, um elogio quase insuperável. E o fecho vem com “Sing”, outro exemplo de lindeza vocal.

 

Jon Batiste é um talento impressionante. Este disco já é um dos melhores álbuns de 2021 e um dos melhores trabalhos dentro da música negra que eu ouço em muito, muito tempo. Sensacional, pop, exuberante e cheio de luz. Ouça ontem e passe adiante.

 

Ouça primeiro: “Show Me The Way”, “Adulthood”, “Boy Hood”, “We Are”, “Whatchutalkabout”, “Tell The Truth”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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