O Capital Inicial como Testemunha da História

Ontem foi anunciada a sexta participação do Capital Inicial no Rock In Rio. Das oito edições realizadas, a banda de Brasília esteve presente em 1991, 2001, 2011, 2013, 2017 e 2019, estando ausente apenas do primeiro festival, em 1985 e, curiosamente, da edição de 2015. Em todas as outras, faça chuva ou faça sol, Dinho Ouro Preto e seus companheiros foram a cara do rock brasileiro mainstream para uma audiência cada vez menos exigente.

Ainda iremos fazer uma análise mais minuciosa dos dias e das atrações deste Rock In Rio 2019, e estaremos lá para resenhar as apresentações mais importantes e interessantes, ainda que seja cada vez mais difícil compreender as escolhas da produção. Mas, bem, isso é assunto para este vindouro texto. Por ora, ficamos com a impressionante constância do Capital Inicial. Em termos econômicos, a banda já deveria ter mudado seu nome para Dividendos ou Lucro, porque está nesta fase do amadurecimento financeiro desde que foi esperta o bastante para lançar um álbum dentro do esquema Acústico MTV, que ressuscitou “Primeiros Erros”, canção de sucesso em 1986, composta e interpretada por Kiko Zambianchi – que foi convidado para cantar com o Capital em 2001. Ali houve esta consolidação do grupo, que mantém-se inabalável desde então.

É bom lembrar que o Capital Inicial já tinha uns 18 anos de carreira em 2001. Lançara dois bons discos em 1986 e 1987, acompanhara Sting em sua primeira turnê brasileira, mas não soube lidar com o aceno do rock à música dançante e eletrônica daquele fim de anos 1980. Insucessos como “Mickey Mouse em Moscou” e “Pedra no Chão” contribuíram para o ocaso do grupo e seu esfacelamento, com a saída de Dinho em busca de uma carreira solo – que não chegou a render frutos. O grupo voltou pouco depois, já em meados dos anos 1990 – e não parecia capaz de reeditar a glória oitentista, até que, algum iluminado teve a ideia do Acústico e o resto é história.

Falando nisso, o Capital é uma testemunha da história brasileira. Uma espécie de Repórter Esso do rock nacional. E, olha, a julgar pela sua presença constante na escalação do festival de música mais importante do país, o estilo pouco ou nada fez nestes anos. Claro que isso não é verdade, uma vez que pululam bandas nacionais interessantes e instigantes, não só de rock, mas de vários estilos adjacentes. Entretanto, se alguém for fazer um levantamento por assiduidade, o Capital Inicial seria considerado a melhor e maior banda em atividade no país. E, bem, isso nós sabemos que eles não são.

Talvez sejam se levarmos em contas vendas, cliques, downloads e demais meios de aferição que não têm muito compromisso com a qualidade. Claro, o Capital entrega discos com frequência, faz shows pra caramba, rala, viaja, trabalha duro e isso não está em questão – é uma banda que atende exatamente o que seu fã deseja. Se o público quiser duetos com Seu Jorge, eles farão. Se o público quiser acreditar que o Capital é herdeiro direta do Aborto Elétrico – mitológica formação punk brasiliense, liderada por Renato Russo – assim farão. Se o público quiser que a banda grave um novo Acústico, dessa vez em Nova York, haverá grana e investimento para tal. E, como reflexo desta lógica de mecanismos de aferição de uma só via, o Capital estará no topo da cadeia de rentabilidade lucrativa. Daí para o lineup do Rock In Rio da vez….é um pulo.

Dinho Ouro Preto, Yves Passarell, Fê Lemos e Flávio Lemos compõem o núcleo da banda desde muito tempo. Ives, guitarrista egresso do Viper, entrou para o grupo em 2002, após a saída de Loro Jones. Musicalmente, no entanto, o Capital é uma linha reta. Seu estilo não anda para frente ou para trás. Fora alguns tiques e taques de produções que vêm e vão, a banda faz o mesmo rock pós-punk diluído e engajado de 1985 ou 1998, sem qualquer sinal da passagem do tempo. Se levarmos em conta qualquer outra banda brasileira de rock e adjacências, de Paralamas do Sucesso a Titãs, de Skank a Barão Vermelho, veremos mudanças de estilo, orientação, e mesmo empreitadas arriscadas, com conceito. No caso do Capital, seus discos malditos – eles existem – são erros involuntários em projetos que deveriam fazer muito sucesso.

Essa constância faz da banda um investimento sem riscos. Sua presença em Rock In Rio’s é garantia de um show no Palco Mundo. Eles podem ser escalados dentro de uma noite totalmente pop, como uma noite razoavelmente rock e, quem sabe, num projeto de homenagem a alguém falecido ou algo no gênero. Também cabem em duetos, shows meio a meio, numa infinidade de variações. Oferecem um engajamento político que promove catarse num público com exigência zero e noção reduzida da realidade ou que exulta em ver sua banda preferida tirando fotos com o juiz Sérgio Moro – fã declarado da banda – ou mesmo se apropriando de “Que País É Esse?”, canção punk de Renato Russo, composta para um Brasil sob ditadura militar e desfigurada de seu sentido original.

Ninguém se importa. Para o bem ou para o mal, mas é bom que alguém faça considerações mínimas sobre o assunto. Nem que seja para a posteridade.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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