Ninguém segura Billie Eilish

 

Billie Eilish – Happier Than Ever

Gênero: Pop alternativo

Duração: 56:15 min.
Faixas: 16
Produção: FINNEAS
Gravadora: Darkroom/Interscope

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

Finalmente chegou este segundo álbum de Billie Eilish, “Happier Than Ever”. A gente até demorou pra fazer a resenha por conta da semana cheia, por isso, pedimos desculpas, mas cá estamos para dar nossa opinião. Billie, a gente já sabe, é uma figura diferente no cenário pop mundial. Ela não tem tempo para brincadeiras, usa a ironia e o visual como armas poderosas para veicular seu discurso e tem no irmão, Finneas, seu arquiteto musical. Ela entra com as ideias de letras e looks e ele constrói um correspondente sonoro que seja capaz de amplificar e converter as falas de Billie. Se a coisa já funcionara na estreia, “When We All Fall Asleep, Where Do We Go?” (2019), podemos dizer que tudo ficou maior e mais amplo neste novo álbum. Mas é preciso ter sensibilidade para chegar a esta conclusão porque, nas primeiras audições, o novo álbum parece muito mais intimista e soturno. De certa forma, ele é, sim. O que o torna maior é, justamente, a opção por sonoridades novas, discursos novos, ampliando a área de atuação de Billie e sua relevância musical.

 

Se o primeiro trabalho ia muito mais na eletrônica dançante e aventureira, em “Happier Than Ever”, a coisa muda. Finneas oferece programações e estruturas lentas, soturnas para que a irmã consiga a coerência que suas letras demandam. E, sim, as falas de Billie estão no âmbito da dureza de ficar famosa em pouco tempo, do confronto entre esta felicidade idealizada/desejada num sistema capitalista neoliberal, medido por fama e dinheiro, em oposição às realizações pessoais e mais íntimas de mulher. E neste caminho em busca deste sucesso surgem os percalços típicos do nosso mundo patriarcal, no caso, as cobranças, o preconceito, o machismo e o assédio de vários tipos. É importante e reconfortante ver uma artista de 20 anos, com o alcance mundial que Billie desfruta, falando sobre idealizações que ex-namorados fizeram dela, de cobranças e agruras pelas quais passou ainda mais jovem. O disco fala muito sobre isso e o título já é uma ironia com tudo o que se espera de uma jovem estrela mundial e o que ela consegue sentir.

 

O grande barato das produções que Finneas oferece para Billie é seu ar lo-fi genuíno. Tudo parece feito em casa, no quarto, com invenções e teclados turbinados, que driblam as sonoridades mais padronizadas dos grandes estúdios e, na base das gambiarras sonoras, vão avançando e obtendo ótimos resultados. Além disso, desta improvisação como regra, a música que sai dos fones de ouvido é inegavalmente bem feita. Tudo tem um objetivo final a ser alcançando, as melodias são boas o bastante para sustentar e justificar as canções, enfim, é um trabalho que sobrevive muito bem sem todo o holofote do pop atual. Aliás, Billie Eilish e Olivia Rodrigo, duas meninas em ascensão, cada uma a seu jeito, são responsáveis pelos dois grandes discos pop do ano até agora. E o fizeram com uma postura de autonomia feminina, genuína, bem legal. E ambos são escorados em ótimas canções.

 

No caso de Billie, temos 16 faixas e vários destaques. “Billie Bossa Nova” já chama a atenção pelo nome e pelo empréstimo que faz de algum climinha do estilo, mas surge como uma releitura bem intencionada. É uma letra triste, de experiências sobre o amor: “Love when it comes without a warning/’Cause waiting for it gets so boring/A lot can change in twenty seconds/A lot can happen in the dark”, mostrando experiência e noção do que se fala. A melodia é bela e o arranjo é engenhoso, cheio de timbres escondidos. “Oxytocin” é a grande faixa do álbum, um colosso dançante à meia-voz, uma verdadeira porrada sensual e sensorial, baseada no título, o chamado “hormônio do amor”, produzido no hipotálamo e secretado quando estamos perto da pessoa amada. “Haley’s Comet” é um exemplo de balada romântica, algo que poucos poderiam esperar de Billie, mas que ela faz muito bem, com vocais sussurrados, sofridos, convincentes, cantados sobre um arranjo que leva tudo para um terreno de sonho acordado.

 

“Overheated” é outro exemplo de faixa dançante, ainda que ela venha num escopo menor que “Oxytocin”. É eletrônica de baixo impacto intencional, com vocais entre o rap e o pop, tudo muito soturno e falando sobre sensações, deixando para o ouvinte a missão de interpretar ao pé da letra. “Everybody Dies” é outra lindeza triste, com uma letra bela que já abre com o verso “everybody dies, surprise, surprise”. Aqui ela mostra a baita voz que tem, alcançando tons mais altos e se aproveitando do clima do álbum, brincando com o soturno e uma certa redenção sobre isso. É linda a canção. Outro destaque é “Your Power”, com violões e certo clima plácido aparente, mas que fala sobre um ex-namorado mais velho que abusou dela num passado recente e de como ele gostava de impor-se fisica e mentalmente sobre ela. Beleza e tristeza de mãos dadas.

 

Este disco mostra como Billie Eilish é a força mais criativa do pop atual. Ela despreza os spots fáceis, oferece combustível para seu público refletir e, de passagem, fazer grande música, junto com seu irmão. “Happier Than Ever” é um dos grandes discos de 2021, sem dúvida.

 

Ouça primeiro: “Oxytocin”, “Billie Bossa Nova”, “Halley’s Comet”, “Everybody Dies”, “Overheated”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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