Quando a segunda Califórnia chegar
Daniel Wylie’s Cosmic Rough Riders – Atoms and Energy
Gênero: Rock alternativo
Duração: 38:45 min.
Faixas: 10
Produção: Daniel Wylie
Gravadora: Last Night From Glasgow
Alguém aí lembra do Cosmic Rough Riders? Era uma banda escocesa de série B, mas que chegou até as nossas combalidas prateleiras com um disco pra lá de simpático, “Enjoy The Melodic Sunshine”, lá no início do século. Sobre ele foi dito que havia um número enorme de melodias perfeitas, que era indicado para revivalistas admiradores de Teenage Fanclub e outras bandas escocesas que teimavam em viver como se houvesse uma segunda Califórnia na Escócia. Este disco produziu um hit alternativo por aqui e lá fora, “Revolution (In The Summertime)”, cheio daquelas imagens de verão, pessoas em mãos dadas em harmonia e uma sonoridade retrô ressignificada pela visão escocesa melodiosa e bem intencionada. E, assim como surgiu, o Cosmic Rough Riders sumiu da nossa vista e hoje só deve habitar as lembranças de algum indie empedernido por aí. Mas o fato é que a banda encerrou atividades alguns anos depois e ressurgiu recentemente, sob a batuta de um dos fundadores, Daniel Wylie, que precisou acrescentar seu nome ao da banda para poder viabilizar seu projeto. E, desse ponto em diante, este “Atoms and Energy” é o segundo trabalho que ele solta, com a mesmíssima disposição para exaltar essa terra dourada musical de que as bandas de seu país tanto gostam.
“Atoms and Energy” é um disco feito sob encomenda pra quem admira Neil Young, Crosby, Stills and Nash (and Young), America, esses artistas que viraram a década de 1960/70 com a mistura perfeita de folk, rock e uma pitadinha muito leve de country. Nesta leva também está a versão setentista dos Beach Boys, que, no início daquela década, haviam deixado a praia de lado em favor de uma visão pós-bicho grilo do mundo, com meditação, budismo e transcendência em teores light. As canções que eles fizeram entre 1969 e 1973 são belíssimas, tristes e desencantadas, mas têm em comum essa devoção ao “California state of mind”, essa coisa de que, apesar das recentes porradas conservadoras na América, aquele pedaço dourado de terra ainda era o futuro do mundo e o melhor lugar para se estar. Não à toa, essa ideia foi um dos grandes itens na prateleira do capitalismo americano em sua pujança, funcionando, mesmo como resposta ao lado mais conservador do sistema. Mas, como estamos falando apenas de música, as canções feitas por esta turma ainda têm poder inspirador fortíssimo.
Daniel Wylie sabe bem disso e não economiza nos elementos marcantes em seus arranjos. Violões, guitarras, pianos, vocais harmonizados, melodias belíssimas e um desejo meticuloso de recriar esses climas plácidos. E ele consegue chegar muito perto em vários momentos. Este álbum lembra muito outro produto detalhista de recriação do mesmo ambiente sonoro: “So Much For The City”, dos irlandeses The Thrills, que saiu por aqui na mesma época do álbum do Cosmic Rough Riders original. A ideia é a mesma e o resultado é tão generoso quanto. Se você fechar os olhos, a impressão é a mesma, a beleza das canções é igual, a ponto de não haver, a rigor, uma única canção fraca por aqui. Ainda que Wylie vá por um caminho mais leve do que, digamos, o Teenage Fanclub, ele se vale do mesmo sentimento de amor e beleza suscitado por Norman Blake e sua turma.
Sendo assim, você pode escolher entre a lindeza absoluta, com direito a interlúdio beachboyano de “The Bruises and the Blood”, logo na abertura do álbum, definindo o padrão do resto. Pode ficar com o exercício folk-pop de “Heaven’s Waiting Room”, com melodia sunshine rock com carimbo de autenticidade e lindeza. Desviar pelo arranjo à la America de “God Is Nowhere”, com letra que exalta o deus dentro de nós e não nos modelos pre-determinados. “Our Love Will Never Die” é quase uma derivação de “Only Love Can Break Your Heart”, de Neil Young, mas a gente nem liga, porque, né? Outras canções lindas surgirão até o fim do álbum, como “Listen To The Sound Of The Rain”, que lembra Hollies, “A Memory”, que tem a guitarrinha mais calcada nos Byrds e “Saddle Up The Horses”, que vai pelas grandes pradarias imaginárias da liberdade em comunhão com a natureza e as pessoas e eu não estou dizendo isso com ironia.
A disposição de Daniel Wylie em recriar essas ambiências é tão sincera que acusá-lo de ser pouco original acaba soando até deselegante. É um disco que não investe na criatividade bombástica, se limita a escolher um ponto no espaço-tempo musical e nele se inserir, procurando fazer o melhor possível. Eu gosto e respeito.
Ouça primeiro: “God Is Nowhere”, “Heaven’s Waiting Room”, “The Bruises and the Blood”, “Saddle Up The Horses”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.