“Negação” e o perigo de não levar os homens maus a sério

 

 

 

Quando o filme “Negação” estreou na Netflix achei que assisti-lo me faria mal, apesar do super elenco com Rachel Weisz, Andrew Scott e Tom Wilkinson. Afinal um filme sobre o processo movido por um negacionista do Holocausto seria demais para o meu estômago.

 

Como se eu não fosse muito curiosa.

 

Totalmente tomada desse sentimento comprei o livro escrito por Deborah Lipsdat sobre toda a ação defendida por David Irving contra ela e esqueci o receio de ficar mal por causa de sua história. David Irving é um autor inglês que se autointitula (te lembra alguém?) especialista em Segunda Guerra Mundial e no Terceiro Reich. Durante anos ele desenvolveu teorias do nível “Hitler não tinha intenção de matar tantos judeus”, “não existia câmaras de gás em Auschwitz” e “os ditos sobreviventes do Holocausto não passam de pessoas mentirosas que só pensam em dinheiro”.

 

Deborah Lipsdat, ela sim uma profissional de verdade, baseou-se nessas afirmações levianas, desonestas e violentas para descrevê-lo em seu livro “Negando o Holocausto” como “um dos mais perigosos porta-vozes do negacionismo do Holocausto” Covarde, David não gostou e decidiu abrir um processo contra Deborah por difamação na Inglaterra, já que pelas leis do seu país Deborah teria que provar estar certa. Sim, Deborah enfrentou uma batalha para defender a História.

 

Apoiada por uma equipe competente de defesa ela viu a trajetória nociva de David ser destrinchada e teve a certeza de que sua visão sobre o modus operandi dele estava correta: se jornais de faculdade nos anos 90, editados por judeus publicavam matérias negando o Holocausto sob o pretexto de que se tratavam de “ opinião” e a mídia tratava o negacionismo como uma questão intrigante, sem grandes consequências, quem seria Deborah para questioná-lo?

 

Essa postura te parece familiar?

 

No prefácio do livro David Hare, roteirista do filme fala sobre o compromisso da equipe de filmagem com a defesa da verdade histórica e com o direito dos historiadores de interpretar os fatos de formas diferentes mas não de distorce-los, além de se posicionar na Era da Internet, em que cada um tem o direito a sua própria opinião.

 

A questão é que algumas opiniões são baseadas em fatos, outras não. São puro achismo de charlatões que acham que o seu entender vale de alguma coisa. Não valem e Deborah provou isso a David sendo verdadeira, séria, respeitosa com as vítimas de uma das maiores atrocidades de todos os tempos e mostrando que discursos violentos têm poder destrutivo quando na posse de mãos e ouvidos errados.

 

Prometi que apenas assistiria o filme depois de ler o livro e ainda não consegui. As semelhanças entre  David e os representantes da política vigente no Brasil e no mundo me assustaram, desde o erro que Deborah disse ter cometido em relação a David, até o alcance do seu pseudo conhecimento: rimos e consideramos os homens públicos maus  apenas  loucos, burros e cômicos e damos a eles espaço para propagar suas ideologias nefastas entre as pessoas que não se identificam com a nossa prepotência intelectual.

 

Conhecer a batalha entre Lipsdat e Irving pode nos ajudar a reconhecer  o veneno da existência dos Davids, Olavos, Jairs , Donalds e Eduardos para combate-los , como diz Deborah, e vesti-los com fantasias de bobos da corte, para que derrotados fique claro que eles não são apenas irracionais, mas absolutamente patéticos.

 

Impossível ela provou não ser.

 

 

Debora Consíglio

Beatlemaniaca, viciada em canetas Stabillo e post-it é professora pra viver e escreve pra não enlouquecer. Desde pequena movida a livros,filmes e música,devota fiel da palavras. Se antes tinha vergonha das próprias ideias hoje não se limita,se espalha, se expressa.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *