Super Xuxa contra os presidiários do Brasil

 

 

Ontem, em meio a uma live para a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, no Instagram, na qual o tema era “direito dos animais”, Xuxa deixou passar uma evidência da crueldade que permeia a nossa sociedade. Defendeu que remédios e vacinas fossem testados em presidiários, porque, desse jeito, “eles serviriam para alguma coisa”. A ex-modelo e ex-apresentadora admitiu que a fala era controversa e que seria alvo do “pessoal dos direitos humanos”, mas que não via motivo para que as pessoas que vão ficar “50, 60 anos presas, não ajudassem de alguma forma a sociedade, salvando vidas”.

 

A razão da existência do sistema prisional em qualquer lugar do mundo é a reabilitação do condenado. Claro, a teoria é essa. Sabemos muito bem que a sociedade brasileira – entre outras – não trata bem seus presos e que deposita neles a culpa por um sistema injusto, que gera disparidades e abismos em todos os campos da vida. Esperar uma análise ponderada por parte da Xuxa não faz sentido, claro, mas é triste constatar como o senso comum emburrecido trata a prisão como o fim da linha, um tempo em que a pessoa ficará lá, jogada, tentando sobreviver num ambiente inimaginável de dor, inversão absoluta de valores e provações mil. Gente como a Xuxa deve achar que isso é justo. E, como tal, as pessoas devem ser submetidas a esta variante elegante da tortura, que é o teste de drogas experimentais, que, via de regra, podem matar. Ou seja, Xuxa defendeu uma pena de morte light, sem gluten.

 

Acho tristemente engraçado e explico. Xuxa foi meio ressignificada há pouco tempo como uma pessoa “progressista”. Apareceu nas redes falando mal do burrista ocupante da presidência e seu público fiel, que já está na casa dos 40 anos hoje, a viu como uma defensora da igualdade, da liberdade e de um Brasil com mais justiça social. Logo ela, que esteve à frente de um leque de atrações televisivas de gosto extremamente questionável, responsável – a meu ver – por uma série de distorções do que significa ser criança. Mas isso é papo para outro texto, numa outra hora.

 

O fato é que Xuxa esteve entre os famosos que se posicionaram contra o governo Dilma, a quem a apresentadora infantil criticou sobre a tal tecnologia para estocar vento, algo que, apesar de ter se tornado um meme, é uma ação possível e testado por especialistas em várias universidades do mundo. Além disso, Xuxa estaria entre o time de famosos que vaiaram a ex-presidente na abertura da Copa do Mundo de 2014.

 

Mais recentemente, numa entrevista para um desses jornalistas especializados em celebridades, ela, ao ser perguntada sobre uma possível volta do PT ao poder, disse: Xuxa, que não tem feito média nos últimos anos, resolveu se posicionar e publicou: “Deus nos livre e guarde”. Inclusive protestou quando Dilma nomeou Lula como ministro da Casa Civil, cuja posse foi impedida pelo STF. “Que país é esse?” – ela disparou. Mesmo assim, lá na década de 2000, Xuxa foi convidada pelo governo Lula para participar de programas ligados à infância. E aceitou.

 

Ou seja, Xuxa é uma típica brasileira. Contraditória, sem muita noção de como ligar os pontos da sociedade. Defende as crianças e animais, mas quer que presos sejam testados com remédios experimentais. Me lembra o verso de Caetano Veloso e Gilberto Gil em “Haiti” no qual eles dizem:

“Se o venerável cardeal disser que vê
Tanto espírito no feto e nenhum no marginal”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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