Não perca “Escândalo”

 

 

Com tanto filme interessante em cartaz, periga um ou outro passar batido pela sua listinha de prioridades. Entre os candidatos à descrição nas telas está “Escândalo”, estrelado por um trio de sensacionais atrizes: Charlize Theron, Nicole Kidman e Margot Robbie, com uma participação bacana de Kate McKinnon. A história é tristemente simples: assédio moral e sexual contra mulheres na grande mídia americana, mais precisamente, na emissora mais conservadora do país: a Fox News. Como protagonista das acusações, Roger Aisles, o chefão operacional da companhia, amigo dos Murdochs – seus donos – e todo-poderoso da emissora. E tudo aqui é verdade.

 

O filme tem aquele jeitão de produção americana sobre sua mídia, o que é sempre legal e gera boas histórias. A direção de “Escândalo” ficou com Jay Roach, famoso por pilotar os longas da série “Austin Powers”, mas que já vem em novo momento na carreira desde 2015, quando dirigiu “Trumbo”, outro filme com história baseada em fatos reais. Nesta nova produção, Roach tem uma pegada ágil, passando a ideia de que estamos numa corrida cotidiana em busca de fama, projeção e sucesso dentro do mundo da produção jornalística da TV. Charlize é Megyn Kelly, uma jornalista de renome na emissora e na TV americana em geral. Ela tem problemas com ninguém menos que Donald Trump, que a trata muito mal num debate republicando pré-eleições. Ao pedir que a emissora – que é apoiadora histórica do Partido Republicano – tome suas dores, ela percebe que, não só isso não acontecerá, como será advertida pelo magnata Roger Aisles (interpretado por um asqueroso John Lithgow).

 

 

Ao mesmo tempo, outra jornalista, Gretchen Carlson (Nicole Kidman), já veterana na Fox News, se vê com problemas quando é “convidada a se demitir” após ver que seu programa vespertino não decola nos índices de audiência. E, por fim, Kayla Pospisil (Margot Robbie), produtora assistente de Gretchen, é convidada a ir para outro programa, numa “promoção” que vai levá-la direto para Roger Aisles, algo que pode “facilitar” sua ascensão na emissora. E aí o espectador tem a certeza de estar diante de um típico assediador.

 

 

Até então, as suspeitas de Megyn e as acusações de Gretchen – que vai à justiça pedir indenização após ser demitida da emissora – orbitam um eixo de incerteza. Não fica claro – apesar da péssima persona de Aisles – se ele é um assediador ou se é um velho ultrapassado e grosseiro. A cena em que ele recebe Kayla em sua sala e a “avalia” para ter ou não ter êxito na profissão é uma das mais impressionantes do cinema em 2019. A absoluta falta de vergonha e o constrangimento total que toma conta da moça mostram com precisão o quão repugnante é uma situação como esta. A atuação de Robbie, tomando consciência aos poucos, à medida em que Aisles vai lhe pedindo, é espantosa. Não à toa ela está indicada para o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante pelo papel.

 

 

As três atrizes principais atuam com força em “Escândalo”. Charlize/Megyn é mais elegante, séria, porém vai vendo suas crenças se confirmarem à medida em que os fatos evoluem e as entrelinhas ficam mais fáceis de ler. Já Nicole/Gretchen é a imagem do desencanto e da indignação, sem qualquer medo ou constrangimento de colocar nos tribunais uma gente tão poderosa e, por fim, Margot/Kayla é o grande trunfo do filme. De início uma conservadora evangélica com ambição de subir na carreira por conta da impressionante beleza, ela vai se dando conta dos fatos em câmera lenta, até ter a certeza do que está acontecendo. Sua atuação, repito, é absolutamente sensacional.

 

 

Pouco badalado mas importantíssimo, “Escândalo” é um filme que discute sem meias palavras a cultura do machismo, da masculinidade tóxica e da péssima relação interpessoal nas grandes empresas corporativas. É uma cacetada bem dada neste mundo de gente péssima e má. Não deixem de ver.

 

Escândalo (Bombshell)
Estados Unidos, 2019
De: Jay Roach
Com: Charlize Theron, Nicole Kidman, Margot Robbie, John Lithgow

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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