O “estranho” Supergrass

 

 

O nosso tempo tornou obsoletas as coletâneas que cobrem carreiras de artistas, não? Bem, elas continuam existindo, mais como suspiros de gravadoras e produtos mal cuidados, mas, de vez em quando, surgem belos espécimes. Em outro tempo, exemplares de “Supergrass – The Strange Ones” seriam vistos em lojas de discos e vendidos com certa facilidade. Vejam, em outros tempos cada vez mais distantes. Numa época em que, não só as lojas, mas as seções de discos/DVDs de “megastores” somem, o espaço para este tipo de produto é cada vez mais restrito. Mesmo assim, com toda a impressão de anacronismo, esta segunda compilação do trio de Oxford é uma bem-vinda lembrança da importância que ele teve no meio do britpop noventista.

 

Na verdade, o Supergrass durou de 1994 a 2008, um período em que lançou seis álbuns muito legais e distintos entre si, mas que guardavam uma certa anarquia sonora, fruto da mistura de punk, new wave, glam, Bowie setentista e esquisitices perpetrada por Gaz Coombes, Danny Goffey e Mick Quinn (mais tarde com a participação do irmão de Gaz, Rob Coombes, no teclado), pós-adolescentes feiosos, mas adoráveis, que surgiram para o mundo num clipe em que pilotavam uma cama descendo uma ribanceira. Era “Alright”, uma canção infecciosa, alegre, irresistível. A estreia do grupo não poderia ser mais feliz: “I Should Coco”, lançado em 1994, foi o azarão daquele ano, enfrentando pesos-pesados de Oasis e Blur, que eram os capitães do time, mas não tinham capacidade de reproduzir esta anarquia sonora que o Supergrass evocava tão bem.

 

Os discos subsequentes, “In It For The Money” (1997) e “Supergrass” (1999, o melhor a meu ver) mostraram que o trio estava bem longe de ser apenas um bando de moleques brincando de fazer música. O segundo trabalho teve dois singles com boa rotação lá fora, “Caught By The Fuzz” e “Richard III”, mas o disco homônimo de 1999 trazia duas faixas douradas e sensacionais: “Moving”, que tinha algo de pós-punk oitentista, mas, ao mesmo tempo era muito pop e perfeita e, provavelmente, a melhor canção da banda em toda a sua carreira: “Pumping On Your Stereo”, que talvez seja uma das músicas mais Rolling Stones que os Rolling Stones nunca compuseram ou gravaram. É justo neste álbum que o Supergrass atinge uma maturidade sonora que ostentou até o fim da carreira. O sucessor, “Life On Another Planets”, de 2002, é o trabalho mais glam da carreira do grupo.

 

Tudo por aqui é divertido, bem feito e impregnado de guitarras e climas que sugerem a combinação “esbórnia + som”, levada às últimas consequências. Se as outras bandas contemporâneas do trio já vagavam meio sem sentido pelo planeta, o Supergrass conseguira cavar para si um espaço único, só seu, no qual podia fazer quase tudo. Àquela altura o trio já não era mais “uma banda do britpop”, mas tinha uma identidade em que tudo era possível. Uma audição em “Seen The Light”, por exemplo, mostra o quanto de T.Rex, Rolling Stones e … Supergrass existia no ar em meio às gravações do álbum. É notável a evolução de Coombes como cantor e guitarrista, algo que fica ainda mais evidente quando chegam outras faixas de “Life…”, como o semi-ska “Brecon Beacons”, que tem leveza, harmonia e peso na medida certa. Ou em “Evening Of The Day”, que tem pedigree mod sessentista, mais pra Small Faces que para The Who.

 

 

Os dois últimos trabalhos do grupo, “Road To Rouen” (2006) e “Diamond Hoo-Ha” (2008), são pequenos tesouros pouco ouvidos. São mais complexos, climáticos e “artísticos” que os antecessores. Eles mostram uma preocupação maior do Supergrass com o que era o rock naquela primeira década do século 21, gerando uma resposta pessoal interessante, que podia vir em faixas mais soturnas como “St. Petersburg” ou “Roxy”, mostrando que “Road…” era um disco mais climático. Já “Diamond…”, cuja faixa de abertura “Diamond Hoo Ha Man”, é uma das maiores cacetadas glam dadas fora da década de 1970, procurava recuperar um pouco da explosão vital dos primeiros anos sem deixar de lado esta tal preocupação artística. O resultado é o disco mais diverso do grupo, mais “maduro” e polido, que tinha baladonas como “When I Needed You” e emulações bowieanas fase “Ashes To Ashes”, como “Rough Knuckles” e “Butterfly” ou porradas como “Whiskey And Green Tea”.

 

 

Lá fora, “The Strange Ones” tem uma versão “de luxo”, que é um banquete para fãs. Ela traz todos os discos da banda em LP e CD, bem como 4 outros CDs gravados ao vivo e outros dois apenas com B-sides, outtakes e excentricidades mil. Completam o pacote uma versão remixada do single “Caught By The Fuzz”/”Richard III” e buttons, adesivos e um livrão com fotos e textos novíssimos, num total de seis horas só de material inédito.

 

A versão em CD duplo traz as seguintes faixas.

1. Diamond Hoo Ha Man
2. Outside
3. Rebel In You
4. Tales of Endurance, Pt. 4, 5 & 6
5. St. Petersburg
6. Fin
7. Kiss Of Life
8. Brecon Beacons
9. Seen The Light
10. Grace
11. Moving
12. Mary
13. Beautiful People
14. Pumping On Your Stereo
15. In It For The Money
16. Richard III
17. Late In The Day
18. Sun Hits The Sky
19. Mansize Rooster
20. Lenny (2015 – Remaster)
21. Alright (2015 – Remaster)
22. Caught By the Fuzz (2015 – Remaster)

 

Em tempo: a banda se reuniu em 2019 para alguns shows pontuais e pretende seguir em turnê em 2020. Não há, no entanto, qualquer previsão para discos de material inédito.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

2 thoughts on “O “estranho” Supergrass

  • 2 de abril de 2021 em 20:08
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    Carlos, sua descrição do Supergrass foi certeira. Enquanto escrevo, ouço o álbum “In It For The Money” que é muito bom, bem melódico e muito rico no instrumental. Também tenho “I Should Coco” e confesso que me surpreendi quando comprei lá nos idos dos anos 90. Não canso de ouvir essa banda.
    Dou destaque para “Richard III” que é fenomenal com sua distorção e um Gaz cheio de gás (trocadilho infame).
    Abraço

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    • 3 de abril de 2021 em 10:02
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      Muito obrigado pelo comentário, meu caro. Sim, o Supergrass é uma senhora banda, cheia de facetas.

      Resposta

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