Merriweather Post Pavillion – Pop Psicodélico Para O Século 21

Pop e psicodelia são dois termos muito familiares para nós. E são duas palavras cujos significados são constantemente transformados ao longo do tempo. Se tivermos em mente o surgimento de ambos como substantivos/adjetivos musicais, será possível observar que os conceitos evoluem, ainda que queiram dizer o mesmo. Pop, abreviação de popular, é traço marcante para uma obra de arte atingir mais gente. Em última instância, significa não precisar de erudição para compreendê-la. Psicodelia é referente a uma manifestação mental que interfere na experiência consciente. Aplicada à música popular do século 20, é a produção artística dos anos 1960, afetada pelas mudanças de paradigma decorrentes do uso de drogas expansoras da consciência, especialmente o LSD. Em última instância, era a música que tentava expressar as imagens e sensações advindas do uso de drogas alucinógenas como forma de expansão criativa. Era uma doideira total.

Mas, e hoje? E no século 21? O que é pop psicodélico? Como essa ideia sobreviveu ao longo do tempo? Como ela passou da via alternativa/outsider dos anos 1960 para a segurança da pós-modernidade startup-empreendedora-smartphone? Talvez não seja possível responder num texto curto, mas dá pra apontar alguns eventos responsáveis pela atualização dessa ideia e, certamente, o lançamento de alguns discos contribuíram para a ideia de música psicodélica pop se manter em trânsito. Bandas como Flaming Lips e Mercury Rev levaram a ideia adiante nos anos 1990 e, na década seguinte, certamente os americanos do Animal Collective tiveram seu quinhão de responsabilidade na tradução dessas ideias e conceitos. E, dentre sua discografia, “Merriweather Post Pavillion”, lançado há exatos dez anos, é seu ponto alto, tanto na qualidade quanto na perfeição.

O grupo formado então por Avey Tare, Geologist, Deakin e Panda Bear – sim, isso mesmo, codinomes – vinha de um álbum que parecia pronto para fazer a tal “passagem” dos meios mais alternativos para um terreno com visibilidade maior. “Strawberry Jam”, de 2007, ainda não tinha essa moldura pop que abraça e acaricia o ouvinte. Era cru, com uma proporção doideira/melodia em, digamos, 70-30. Mas deixou os ouvintes e a crítica especializada com pulgas coloridas atrás da orelha. Quando “Merriweather…” chegou, cerca de um ano e meio depois, o terreno estava preparado.

A primeira impressão veio pelo single “My Girls”, uma epopeia climática de mais de cinco minutos, com um clímax que nunca chega a acontecer realmente, numa melodia elíptica que vai rodopiando sobre os cabelos encaracolados das cucas maravilhosas dos ouvintes, que ficam se perguntando: WTF? Uma versão alienígena de Beach Boys do final dos anos 1960? Seres mitológicos que deram as caras no nosso mundo? Algum grupo feito com sobreviventes da Caverna do Dragão? Teletubbies on acid? Tudo isso, mas com uma mente pop dourada pensando e planejando tudo. Vozes que se dobram, teclados que vêm de todos os cantos, percussão, palmas, a impressão que estamos em volta de uma fogueira, o conjunto de sensações é amplo e aponta para a tal interferência da consciência sobre a mente, ou vice-versa. O grande resultado é que: faz sentido.

Outras canções seguem por este modelo: “Summertime Clothes”. com um riff de teclado hipnótico e um andamento de glam/boogie espacial que soa inédito para ouvidos inocentes, mas que acabam levando para outras esferas. Outras doideiras como “Guys Eyes”, que ostentam um parentesco com canções de “Smile”, dos Beach Boys versão 1967, o clima de canção de roda que “Taste” traz de início e que vai sendo substituído por dados mais complexos e sinistros. Mesmo gordo e gentil, “Merriweather Post Pavillion” é desses discos que soam precisos e sem desperdício. É uma questão de se adaptar à métrica e aos arranjos do quarteto, decididamente capaz de erguer muralhas sônicas contíguas, que vão se dobrando ou abrindo, de acordo com a melodia ou o momento.

Dez anos depois, pleno 2019, o álbum ainda soa novo e influente. Se a música psicodélica de acento (mais ou menos) pop existe hoje com a cara do nosso tempo, “Merriweather”…tem participação direta nisso. E ouvi-lo depois desta dezena de anos pode ser revelador.
Ainda.

PS: se há um outro grande álbum para servir como “marco zero” desta psicodelia dos nossos tempos, talvez “Saturdays = Youth”, de M83, seja um bom companheiro para “Merriweather”.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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