Ed O’Brien – Earth
Gênero: Rock alternativo
Duração: 46 min.
Faixas: 9
Produção: Flood e Catherine Marks
Gravadora: Universal
Se o Radiohead não tivesse lançado “OK Computer”, em 1997, como seria seu som? Pergunto isso porque o terceiro álbum da banda de Oxford foi um “turning point” – como gostam de dizer os deslumbrados com a verborragia anglófona – em sua carreira. Olhando através do tempo, antes de “OK” haviam dois belos trabalhos – “The Bends” e “Pablo Honey” – nos quais a guitarra ainda era um instrumento dominante na receita musical. E um dos responsáveis por ela chamava-se Ed O’Brien. Este seu primeiro disco solo, “Earth”, propõe, talvez inconscientemente, uma revisita a este clima dos primeiros discos do Radiohead. Melhor dizendo: ao que influenciava a banda naqueles meados de anos 1990.
Ed está lançando um disco sensacional. Sua pesquisa musical abre mão do cabecismo e da aura de grande arte que o Radiohead adquiriu com o tempo e devolve a sonoridade para o chão, para o terreno das possibilidades musicais abertas. Ele opta por um álbum cheio de violões e guitarras, mas nada do que ouvimos aqui soa muito familiar. Talvez haja um pouco do U2 experimentalista de “Achtung Baby”, “Zooropa” e “Passengers” em algum lugar, mas nem a ousadia sonora dos irlandeses naquele tempo é capaz de preencher as demandas por inspiração que “Earth” propõe. Mesmo assim, esta é a melhor maneira de partir em direção ao que Ed oferece nas nove músicas do disco.
Duas faixas – “Olympik” e “Brasil” – contem belíssimas referências eletrônicas. A primeira é totalmente preenchida por beats sensacionais e arranjo vertiginoso e captura o ouvinte por seus quase nove minutos de duração. Dá pra lembrar da fluidez árida de “Lemon”, mas ela não é páreo para a excelência que Ed alcança aqui. “Brasil” – alusão ao tempo que Ed e sua família moraram em Ubatuba, São Paulo – é um híbrido folk com este clima de rave. Sem muito aviso, na metade da faixa, os violões saem abruptamente e entra a programação eletrônica evocando algo moderno, que poderia ser, talvez, de Jon Hopkins. A produção de Flood, que, veja você, foi um dos maiores responsáveis pela mutação eletrônica do U2, dá uma enorme profundidade ao álbum. Além dele, O’Brien chamou gente muito diversa, como o bateria Omar Hakin, a sensacional cantora Laura Marling e o super-baixista Nathan East, entre outros.
As faixas mais calcadas no folk não são convencionais. Ed consegue conferir-lhes personalidade sem resvalar na esquisitice fácil – um dos maiores vícios de seu companheiro de banda, Thom Yorke. A faixa que O’Brien divide vocais com Laura Marling, “Cloak Of The Night”, é uma linda composição que poderia ser de um Nick Drake mais jovem e com referências mais próximas do nosso tempo. “Long Time Coming” também evoca o mesmo clima plácido e chuvoso, com belíssimo violão dedilhado e cheio de efeitos discretos. “Mass” mistura ruídos estranhos a um ritmo violeiro que vai sendo engolfado aos poucos, como se a nave de “A Chegada” decidisse participar do arranjo. “Shangri-la”, a faixa que abre o disco, e “Banksters” também têm DNA eletrônico, mas se misturam com impressões do rock alternativo guitarreiro e a percussão sintética dos anos 1990, num efeito que lembra o Radiohead moleque, o Radiohead de várzea.
“Earth” é daqueles trabalhos que nos pegam pelo coração logo de cara. São verdadeiros, líricos, belos, bem arranjados e sem defeito aparente. Quando a gente menos esperava, Ed O’Brien decide soltar este primeiro disco, colocando no bolso tudo que sua banda e integrantes fizeram até agora, pelo menos desde 2000. Uma luz no fim do túnel deste 2020 estranho.
Ouça primeiro: “Olympik”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.