Queremos Ana Frango Elétrico dominando tudo

 

 

 

 

Ana Frango Elétrico – Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua
31′, 10 faixas
(Risco)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Farei uma confissão: a primeira vez que ouvi falar de Ana Frango Elétrico, pensei tratar-se de uma artista que fizesse música para crianças. Afinal de contas, o nome era bastante apropriado mas, na verdade, é uma corruptela de Ana Faria Fainguelernt, nascida em 1997, no Rio de Janeiro. Ana é, portanto, uma precoce artista que domina vários instrumentos, produz, canta, compõe, pensa música. É um talento raro que está em plena maturação, num processo a olhos vistos, a céu aberto. Seu álbum anterior, “Little Electric Chicken Heart”, de 2019 (resenhado aqui), foi muito elogiado por mostrar uma inventividade borbulhante, porém objetiva e com ótimas perspectivas para um futuro que, ao que tudo indica, chegou. Ana lança este impressionante “Me Chama De Gato Que Eu Sou Sua”, possivelmente melhor que o antecessor – que é ótimo – e se mostra, de fato, amadurecida. Mas, você deve saber, quando alguém usa este termo numa resenha artística, ele pode significar a perda de espontaneidade diante de um abraço a modos mais “domados”. Relaxe, porque aqui é totalmente diferente. Tem a ver com uma capacidade maior de alcance para a música que Ana faz. Isso é essencial para que ela domine o cenário nacional, algo que, acredito, e um processo já em andamento.

 

Esse maior alcance quer dizer, neste caso, que Ana passou a dominar idiomas próximos e componentes de um certo “senso comum pop universal”, que contribui demais para que suas criações voem alto e longe. Por exemplo, na maior parte das dez faixas que integram “Me Chama De Gato…” há um apreço declarado por elementos e detalhes que têm a ver com uma noção forte de disco music. Digo “noção forte” porque Ana não tenta recriar detalhes históricos do gênero, mas é possível ver como ela entende e viabiliza impressões colhidas nessa fonte, algo que se traduz numa profusão de fraseados de metais e linhas de baixo, que turbinam seus arranjos e conferem fofura e dança quando é a hora. Em outros momentos, ela saca do bolso canções lentas, emocionais e emocionantes, com letras de amor total, construídas de observações cotidianas e supostamente desimportantes, trazendo, com isso, o ouvinte para este espaço mais íntimo e confessional.

 

E a genialidade borbulhante está lá. Tanto na construção dessas estratégias de arquitetura pop, quanto nas boas sacadas, que também podem ser alheias a isso. Por exemplo, “Let’s Go To Before Again”, oitava canção do disco, é um drum’n’bass intencionalmente lo-fi, meio lentinho, com um inegável sabor tropical-bossanova ou algo no gênero, tipo da coisa que você não espera, mas que surge e coloca um sorriso no rosto do ouvinte que entende a proposta dela. O contraste vem logo com a faixa seguinte, “Debaixo do Pano”, que é anárquica e experimental (mas não hermética), que aponta para um Rio que as pessoas nem imaginam que existe, cheio de musicalidade e inventividade. Mas o forte de “Me Chama De Gato…” está no contraste entre essas canções com mais groove e as faixas mais contemplativas.

 

A abertura já tem uma linha de baixo borbulhante, percussão e guitarrinhas, tudo a favor da dança em “Electric Fish”, com letra em inglês e um jeitão de Cansei de Ser Sexy depurado e recolocado no caminho certo. “Dela”, logo em seguida, é um quase samba-rock, com jeitão carioca, que, pasme, se coloca como uma descendente direta da produção tanto de Max de Castro, quanto de Bebeto, ele mesmo. “Nuvem Vermelha” é outra dessas faixas que têm uma carioquice inerente, indizível, mas perceptível, sobretudo para quem é da área 021. Tem cordas, melancolia à beira-mar, declaração de amor e poesia clássica revivida e reinterpretada. Após a fofura de “Coisa Maluca”, que dura um minuto e meio, tem outra canção devedora do groove samba funk carioca dos anos 1970, mas com mais temperos e detalhes, que a colocam em outros terrenos, assim como “Camelo Azul”, que se vale desses elementos mais soturnos para criar uma atmosfera mais tristonha. E tem o momento máximo deste álbum, “Insista Em Mim”, que tem uma das letras mais bonitas que ouço em muito tempo: “Me plante agora em seu jardim // E se eu murchar me regue // Insista em mim”, numa onda meio Roberto Carlos setentista, meio Luiz Melodia, meio Rio Boogie Funk.

 

Ana Frango Elétrico é uma baita artista. Se depender da gente, ela conquista tudo, renova o pop nacional – que está muito necessitado disso – e parte para o domínio global. Eu acredito. Mesmo.

 

 

Ouça primeiro: “Insista Em Mim”, “Dela”, “Nuvem Vermelha”, “Electric Fish”, “Let’s Go To Before Again”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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