Mavis Staples – We Get By

Gênero: Soul
Duração: 36 min
Faixas: 11
Produção: Ben Harper
Gravadora: Anti

4 out of 5 stars (4 / 5)

Mavis Staples é um colosso da música negra americana. Na ativa há tantos e tantos anos, ela era integrante do maravilhoso The Staple Singers e dona de uma carreira solo inestimável. De 2007 pra cá, Mavis inaugurou uma fase nova, na qual foi redescoberta e apreciada por uma audiência renovada, mais jovem, porém, não menos dedicada. Neste período, ela já gravou oito discos, sendo dois deles ao vivo. Em 2019, ela já lançou o belo “Live In London” e agora volta com este lindo “We Get By”, um trabalho inédito, feito com total co-autoria com Ben Harper, que produz, toca e assina as onze composições, ainda participando de algumas faixas.

 

Os discos recentes de Mavis, desta fase em que ela está atualmente, são pequenos tratados sobre resistência, afirmação e enfrentamento de uma realidade mundial que se reflete no cotidiano das pessoas. Para quem a ouve, espera-se que a visão de mundo seja gentil e comporte valores como a igualdade e o amor, gente que, infelizmente, está sob ataque e precisa de força para continuar acreditando nessas instâncias. É pra elas – pra nós – que Mavis canta e o faz com energia admirável. É como se uma árvore com vários séculos de existência e testemunho reservasse um cantinho de sombra para que coubéssemos todos sob sua copa de galhos e folhas. A metáfora é válida, uma vez que a voz e a postura dela são totalmente terrenas, fortes, impávidas.

 

As canções que Harper apresenta no disco são sensacionais. Os arranjos também são ótimos, privilegiando o talento da banda que acompanha Mavis há tempos, sempre com guitarras sinuosas, ora solando, ora compondo o núcleo funk/soul que dá sentido. Ela pode soar solitária e dolorida, como em “Anytime”, mas pode servir de argamassa para uma construção mais forte e imponente, como em “Brothers And Sisters”. Elas também se alternam em outras dimensões: “Heavy On My Mind”, por exemplo, é uma meditação voz/guitarra sobre a dificuldade de enfrentar as adversidades e a importância de não desistir da luta, enquanto “Sometime” fala, em arranjo r&b clássico e com vocais de apoio gospel sobre a religião como agregador das pessoas – algo familiar e intrínseco em relação aos negros
protestantes americanos.

 

Independente da mensagem e da beleza imponente da voz de Mavis, as canções são todas ótimas e apontam para Ben Harper como sendo um compositor de mão cheia, mostrando um amadurecimento notável. Suas participações vocais também são belas e apropriadas, especialmente na faixa-título, na qual ele surge com um registro que parece de alguém mais velho, chegando a lembrar o próprio Pops Staples na versão dos Staple Singers para o clássico da The Band, “The Weight”.

 

São discos assim que mostram que a soul music é um gênero que flui muito melhor se for conduzido e protagonizado por pessoas que transmitam vivência, ensinamento e conforto, caso indubitável de Mavis. A música passa para outro plano, assumindo um papel de fio condutor que vai muito além da beleza e da letra, como se fosse uma comunhão, uma união de pessoas em torno de algo. Indispensável em dias como os atuais.

 

Ouça primeiro: “We Get By”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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